21.3.07

Toda a gente quer ser casada por Wouter Van Bellingen

Kathleen Gomes, in Jornal Público

Três casais "boicotaram" o vereador belga por ser negro. Agora, outros 553 de vários países fazem questão que seja ele a casá-los

No início do ano, Wouter Van Bellingen apareceu em tudo o que era jornal da Bélgica flamenga porque se tornara no primeiro vereador negro da Flandres. Mas comparado com o último mês, isso não passou de uma "mini-mini-miniatenção mediática", dizia ao telefone com o PÚBLICO, entre risos. Hoje, se tudo correr como previsto, ele deverá cumprir outra proeza: tornar-se no mais casamenteiro dos vereadores flamengos.

Haverá foto de casamento, buffet de sobremesas multicultural e, naturalmente, baile. Toda a gente de Sint-Niklaas - cidade de 70 mil habitantes próxima de Antuérpia - e arredores foi convidada. "Arredores" é eufemismo: os 553 casais que deverão encher a maior praça de Sint-Niklaas esta tarde vêm "de todo o lado", diz o mestre da cerimónia. "De toda a Flandres, de Bruxelas, mas também da Holanda, França, Inglaterra, Alemanha..."

O número de casais inscritos tem crescido todos os dias, a todas as horas. O objectivo não é serem recordistas do Guinness. É passar uma "mensagem clara: o futuro é a cores e isso é bom", diz por telefone Jozef De Witte, director do Centro belga Para a Igualdade de Oportunidades e Luta Contra o Racismo. A boda colectiva está marcada para hoje não por ser Primavera, mas porque é o Dia Internacional Contra o Racismo. Wouter Van Bellingen mal tinha assumido funções na Câmara Municipal de Sint-Niklaas (cabendo-lhe, entre outras coisas, a responsabilidade de formalizar casamentos civis) quando se soube que três casais da cidade tinham cancelado o seu matrimónio por não quererem que fosse oficializado por um negro. Van Bellingen diz que isso não o surpreendeu. Só não esperava que acontecesse tão cedo.

O primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt, afirmou-se "indignado" pelo incidente. "A nossa sociedade não tolera uma atitude racista tão estúpida", declarou em Fevereiro, quando o episódio se tornou público e a imprensa belga começou a falar de uma vaga de racismo na Flandres.

O Centro para a Igualdade de Oportunidades, organismo governamental, propôs processar os três casais, mas Van Bellingen não quis. "Para Van Bellingen, era muito claro que os três casais eram vítimas do seu próprio acto", explica Jozef De Witte. "Uma vez que tanto ele como o presidente da Câmara de Sint-Niklaas [o socialista Freddy Willockx] dizem que está fora de questão substituí-lo e outra pessoa celebrar os casamentos, ele considera que, de certa forma, o problema é deles."

Além disso, nota De Witte, habitualmente os casos de racismo têm a ver com a recusa de um serviço a alguém. "Aqui é o cliente que não quer ser servido. E a legislação europeia sobre racismo e discriminação nada diz sobre isso. Quando recuso ir a uma padaria marroquina e prefiro uma padaria vulgar, o problema é meu. Se a marroquina é a única que está aberta ao domingo, não posso comer pão nesse dia", ri-se. Sim, a serenidade, o não-confronto de Van Bellingen talvez tenha sido a melhor política, diz o presidente do centro belga.

Até porque a "condenação pública belga" do episódio foi muito expressiva e clara. Van Bellingen recebeu mais de dois mil e-mails e cartas de apoio. "De momento, é-me impossível responder a todos." Pouco depois de o incidente se tornar público, o vereador de 34 anos mencionou numa entrevista que algumas pessoas lhe diziam que gostariam que ele as casasse, embora não fossem de Sint-Niklaas. Foi o rastilho. "Todos os outros jornais reproduziram isso, algumas associações locais acharam que era óptima ideia e propuseram organizar um casamento colectivo", conta. Lembra-se do seu filho de cinco anos voltar da escola um dia e dizer: "Papá, todas as crianças querem que tu as cases..."

Nascido em Antuérpia, filho de pais ruandeses, Van Bellingen foi adoptado por uma família de brancos belgas. O seu nome é do mais flamengo que há. Já se sentira discriminado antes? "Sim, como qualquer pessoa de cor - não apenas na Flandres mas em toda a Europa. Se não, não estariam a ligar-me de Portugal." Frank Vanhecke é o presidente do partido de extrema-direita flamengo, Vlaams Belang (Interesse Flamengo)