Sofia Branco, in Jornal Público
Os novos Acordos de Parceria Económica (APE) que a União Europeia quer assinar com os países africanos foram duramente criticados pelos representantes das sociedades civis africana e europeia reunidos nos últimos três dias, em Lisboa. São pensados de forma a que os países europeus beneficiam mais deles do que os africanos, dizem.
Promovido pela Plataforma Portuguesa de Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, o fórum das sociedades civis debateu a anunciada "nova parceria" entre os dois continentes - acordos bilaterais, sobretudo comerciais, que pretendem actualizar as regras de trocas internacionais à luz das da Organização Mundial de Comércio.
No encontro manifestou-se optimismo face ao plano de acção e estratégia desenvolvidos pela presidência portuguesa da UE para a cimeira com África, mas também preocupação. O comunicado final realça que é tempo de "rever as bases da relação" euro-africana, respeitando "o tempo de cada um dos actores".
Já no primeiro dia de fórum, Christa Plath, da organização alemã Venro, tinha exigido "acordos comerciais mais amigáveis para o desenvolvimento". Joseph Suna, da zambiana PELUM, destacou que "não há razão para pressas, assinando protocolos que não são os mais adequados".
"As propostas não fortalecem os Estados africanos, assiná-las é irresponsável e perigoso", corroborou Karin Ulmer, da belga Aprodev, realçando que "os pacotes de ajuda não podem ser condicionados à assinatura".
Nas mãos dos políticos
A menos de um mês da Cimeira UE-África, o objectivo do fórum era chegar a "um posicionamento político claro sobre alguns temas fundamentais para a relação Europa-África", como explicou Fátima Proença, da Plataforma Portuguesa.
"Não podemos deixar tudo nas mãos deles [chefes de Estado e de Governo que se vão reunir, a 8 e 9 de Dezembro, em Lisboa]. Os valores comuns já não estão em discussão, agora é passar à aplicação concreta. E o papel da sociedade civil é vigiar isso", realçou David Gakunzy, em representação do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa.
Em simultâneo, esta organização promoveu um fórum de parlamentares europeus e africanos, que convergiram em muitas das recomendações das sociedades civis. "Queremos passar de figurantes a verdadeiros parceiros", resumiu o deputado senegalês, Alfâ-Niaky Barry, pedindo "transparência" nas relações euro-africanas.
O "novo contexto" de uma parceria entre os dois continentes deve assentar em "responsabilidade e respeito mútuos", maior "equilíbrio de poder" e "confiança". Às sociedades civis deve ser dada a possibilidade de "uma real participação no processo de tomada de decisão", diz o documento.
Nesse sentido, ressaltaram representantes europeus e africanos, os APE, acordos bilaterais que a União Europeia pretende assinar até final do ano, são "incoerentes com os objectivos do desenvolvimento", porque "minam os processos de integração regional que supostamente querem apoiar".
As migrações foram consideradas "tema vital" para as relações euro-africanas, tendo os participantes apelado à facilitação das remessas, cujo valor é superior ao da ajuda ao desenvolvimento que a UE canaliza para África, e à substituição da "perda de cérebros" pelo regresso às origens dos migrantes qualificados. Realçando que a relação entre os dois continentes tem sido de "grande retórica e nenhuma acção", a eurodeputada Ana Gomes observou, no encerramento, que o "novo interesse" europeu por África deve-se, em grande parte, à "percepção de ameaça face aos fluxos ilegais de imigrantes" e à "concorrência" asiática.