Natália Faria, in Jornal Público
O responsável associativo do sector têxtil quer alteração do regime de horários e de pagamentos para facilitar a vida das empresas
A O desemprego vai aumentar, caso o Governo insista em aumentar o salário mínimo nacional até aos 500 euros em 2011 sem avançar com contrapartidas para as empresas. Quem o diz é Paulo Nunes de Almeida, vice-presidente da Confederação da Indústria Portuguesa e presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.
PÚBLICO - Numa altura em que todos parecem concordar que Portugal não deve continuar a competir com base no argumento da mão-de-obra barata, que sentido faz que a ATP queira que o Governo ponha travão às expectativas de aumento do salário mínimo até aos 500 euros em 2011?
PAULO NUNES DE ALMEIDA - A ATP não quer colocar um travão relativamente à questão do aumento do salário mínimo. Em princípio, o Governo vai decidir em Dezembro o que fazer em relação ao salário mínimo e já disse que quer que essa decisão, por um lado, obtenha o acordo dos parceiros sociais e, por outro, siga o acordo celebrado o ano passado e que coloca os 450 euros como montante a atingir em 2009. Parte-se de um valor de 403 euros em 2007 para os 450 euros em 2009, ou seja, dois anos depois. Isso faz com que os aumentos anuais sejam superiores a cinco por cento, quando o Governo propõe para os funcionários públicos 2,1 por cento e para as pensões, inclusivamente para as mais baixas, um aumento que não passa dos 2,4 por cento. Ora, no referido acordo estava dito - e foi por isso que a CIP o assinou - que teriam que ser introduzidos mecanismos que, nos sectores e nas regiões mais expostas à concorrência internacional, permitissem às empresas ganhos de produtividade para poderem incorporar esses aumentos superiores à inflação e aos aumentos que o próprio Governo definiu para a função pública.
É nesses mecanismos que incluem a proposta de supressão de alguns feriados?
Sim. Portugal tem dois feriados a mais do que a média da União Europeia, portanto justifica-se reduzir o número de feriados. Também defendemos que deve ser colocado um tecto nas indemnizações por despedimento. O despedimento em Portugal é caro. Pretendíamos também que aquela regra dos 20 por cento de redução de efectivos para que as pessoas tenham direito ao subsídio de desemprego se tratasse não de redução de 20 por cento em termos brutos mas em termos líquidos. Porquê? Porque, na maior parte das vezes, as empresas não querem despedir pessoas, querem é reconverter os seus recursos humanos.
Mas não faria mais sentido facilitar a reconversão profissional da mão-de-obra?
Por isso é que uma das propostas que fizemos - e que foi a única que até hoje teve vencimento, porque dependia apenas de duas das maiores associações do sector têxtil - foi a fusão dos dois centros de formação têxtil. Mas temos que partir do princípio que há pessoas que, por muito que se invista na sua formação, já não conseguem entrar no comboio do século XXI onde as nossas empresas estão posicionadas.
O que se faz a estas pessoas?
Outra das propostas que defendemos é a criação para a região do Vale do Ave e do Vale do Cávado de um fundo de ajustamento à globalização. É um fundo financiado por capitais comunitários que, em França, foi há dois ou três meses aplicado ao sector automóvel, precisamente para amortecer o impacto social que a globalização tem nas empresas. Não podemos aceitar a globalização como a Europa, aceita abrindo as suas fronteiras, e depois não perceber que os fundos comunitários têm que ter uma componente de apoio social às pessoas com menos formação que caiam no desemprego.
Mas esse apoio assumiria a forma de subsídio?
A ideia seria que este fundo de ajustamento apoie as pessoas que em processos de reestruturação caiam no desemprego, não numa óptica assistencialista, mas tentando reconverter essas pessoas de modo a que elas possam inserir-se noutras actividades onde o nível de qualificações exigido não é tão grande. Ao mesmo tempo, o fundo poderia permitir que alguns pudessem inclusive criar o seu próprio emprego. Obviamente que, no limite, se houver pessoas que de forma alguma possam reentrar no mercado de trabalho, o Estado tem uma obrigação de as apoiar.
No que toca os horários, qual seria a ideia? Adequar a carga horária às solicitações em termos de encomendas?
Com os limites que têm sempre que existir e que têm a ver com a vida particular e familiar das pessoas.
Não era obrigar as pessoas a trabalharem 15 horas por dia quando é preciso e, no momento seguinte, ficarem em casa?
Não é. Até porque nós empresários sabemos por experiência própria que, a partir de determinado tempo extra, a produtividade acaba por ser extremamente reduzida e, portanto, não compensa. Agora, quando uma encomenda me é colocada e eu tenho que responder de forma rápida, o meu cliente não aceita que eu aumente o meu preço pelo facto de ter que recorrer a horas extraordinárias. As horas extras são caras e, portanto, nós temos que criar um mecanismo em que essas horas a mais possam ser compensadas nos períodos em que a empresa tem menos trabalho. O grande objectivo de um empresário é ter uma empresa com um conjunto de dinâmicas internas e externas que lhe permitam posicionar-se perante um mercado muito competitivo. Não podemos é continuar sujeitos a uma legislação que continua agarrada a tempos que não são os tempos actuais.
É nesse sentido que propõem também o fim dos subsídios de férias e de Natal?
O que propomos é que haja um ordenado anual dividido por 12 meses. Para isso, bastaria ver qual é o rendimento anual da pessoa e, em vez de dividi-lo por 14 meses, dividi-lo por 12. Não há aqui qualquer redução de vencimentos. Quais são as vantagens? Primeiro a gestão da tesouraria das empresas. Em segundo, o próprio planeamento familiar das pessoas ficava muito mais organizado: as pessoas pagam 12 rendas de casa, 12 prestações ao banco...
Mas por que é que, em nome da competitividade das empresas, se tem que sacrificar os trabalhadores, cujos salários são dos mais baixos da Europa?
Não são. Neste momento, o nível do salário mínimo em Portugal está a meio da Europa a 27. O salário mínimo de 403 euros é pouco, mas é pago 14 vezes e não 12, ao contrário do que se passa noutros países da Europa a 27.
Se compararmos com Espanha...
O que é facto é que estamos a meio da tabela e, para podermos ter aumentos salariais acima da taxa de inflação, tem que haver contrapartidas para as empresas. E o que queremos saber é quais são as contrapartidas que o Governo tem em cima da mesa para podermos avançar. Temos em cima da mesa um acordo celebrado em Janeiro do ano passado e, passados dez meses, quero saber quais foram as medidas tomadas para que os sectores e as regiões possam ser apoiadas neste sacrifício de incorporar aumentos superiores à taxa de inflação. Só depois disso é que podemos tomar uma decisão.
Quais seriam as consequências para as empresas de aumentos superiores à taxa de inflação?
Se obrigamos as empresas a aumentar os salários para além daquilo que é possível, sem lhes criar contrapartidas que lhes permitam ser competitivas, vai haver um aumento do desemprego. Isso só não se verifica agora porque a emigração está a compensar esse aumento. Mas também tenho consciência de que, a muito curto prazo, vamos ter dificuldades em encontrar mão-de-obra disponível. Repare: não somos favoráveis a uma política de baixos salários; somos é favoráveis a uma política de salários que as empresas possam incorporar e para isso tem que se reduzir os custos de contexto.
O Governo devia baixar a carga fiscal das empresas?
Sobre as questões fiscais é óbvio que temos que reduzir impostos. Acho que o Governo fez bem em, neste Orçamento, não ter avançado ainda para uma redução de impostos. Já fiquei menos satisfeito quando ouvi o ministro das Finanças dizer que só pensa mexer nos impostos quando o défice atingir um montante próximo do zero. Eu tinha a expectativa que pudesse haver já em 2008 uma redução fundamentalmente a nível de IVA e de IRC. Talvez mais a nível de IVA, porque temos aqui uma grande decalage em relação ao mercado espanhol e estamos a sofrer muito com essa diferença.