25.11.07

Cidades deixam idosos isolados "no meio da multidão"

Ana Cristina Pereira, Andreia Sanches, Graça Barbosa Ribeiro

No coração dos centros urbanos, há um drama que se agrava em silêncio: a vida de milhares de idosos sós. Para eles, a cidade não agrega: isola

Nas zonas rurais "rarefeitas", o vizinho mais próximo pode estar a quilómetros. Nas urbanas, o idoso pode estar isolado "no meio da multidão", nota o geógrafo Álvaro Domingues. Às vezes, são cinco lances de escadas, outras bastam "dois ou três degraus". Leonel Gomes já só consegue descer a escadaria do prédio onde vive, na Madalena, em Lisboa, se tiver muita gente a ajudá-lo. Como a maioria dos vizinhos é também idosa, passa os dias a jogar paciências na sala. A mulher deixou de conviver. "Não posso ir a lado nenhum, não o vou deixar sozinho", e ele já não conversa, lamenta ela.

As cidades estão a envelhecer. Sobretudo as mais antigas e as de maior dimensão. A proporção de idosos aumenta a um ritmo superior à média nacional. Lisboa - "a cidade portuguesa mais envelhecida e a capital europeia com maior proporção de idosos", segundo o sociólogo Paulo Machado - perdeu, em duas décadas, 243 mil pessoas. O Porto perdeu 94 mil entre 1981 e 2005.

Quer no Porto, quer em Lisboa, só a população com mais de 65 anos cresceu. A diminuição da população nota-se mais nas freguesias do centro histórico e da Baixa. Há 38 anos em duas paróquias do centro histórico do Porto, o padre Agostinho Moreira viu partir muita gente. "Os jovens que querem constituir família mudam-se", sobretudo, para concelhos limítrofes, com casas mais baratas. Ficaram os idosos. Isolados. Oito na Rua dos Mercadores, três na Rua de São João, três na Rua da Reboleira...

Há cerca de 160 mil idosos na capital, diz Machado. Mais de 34 mil vivem sozinhos. Mesmo em Coimbra, onde a população cresceu 6,1 por cento entre 1991 e 2001, o número de residentes no centro da cidade caiu: 41 por cento na Baixa e 35 por cento na Alta. E envelheceu. De acordo com o levantamento sociodemográfico feito em 2005 e 2006 pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (UC), 36 por cento dos que residem na Baixa têm mais de 65 anos. Na Alta, os idosos são 21 por cento.
Carlos Fortuna, do Centro de Estudos Sociais da UC, sublinha que viver só não significa, necessariamente, viver em solidão. Em Coimbra, por exemplo, "para além das redes formais, existem as redes informais de solidariedade e, nestas zonas, onde os idosos vivem das suas reformas, o espírito de comunidade e de bairro é muito forte. Há a senhora que leva à vizinha um prato de sopa, o merceeiro que coloca o pão num cesto que um idoso puxa com uma corda, para não ter de descer e subir as escadas".

Sozinho diferente de solitário

A solidão é mais do que o resultado do abandono a que alguns filhos votam os pais ou da fuga dos jovens para as periferias. Paulo Machado diz mesmo que o relacionamento interpessoal até podia "ser menos importante se tudo o resto funcionasse". Que tudo o resto? "A relação que as pessoas estabelecem com o seu território, com o seu espaço, com a sua casa."

Há áreas de Lisboa, sobretudo na zona histórica, "que empurram as pessoas para casa". A ocupação turística, o excesso de viaturas, o tamanho dos passeios, "tornaram-se perigosos para os mais velhos", exemplifica o sociólogo. O cenário repete-se noutras paragens. Na Ribeira do Porto, a psicóloga Isabel Carvalho atende idosos que temem sair depois de entardecer por causa dos assaltos. Nas suas visitas ao domicílio, a assistente social Fátima Pinto quase dá "murros nos olhos" para palmilhar escadas "cheias de buracos" e sem iluminação.

Claro que quem está doente, "impossibilitado de interagir, se sente profundamente isolado", refere Machado. Mas muitos idosos que ainda têm mobilidade concentram-se nos jardins, nos parques, "procuram os espaços onde existem outras pessoas, para conviver". No limite, como lembra Álvaro Domingues, podem dirigir-se às urgências de um hospital.

Alterar fisionomia de cidades

Porque é que muitos dos que têm capacidade de interagir não o fazem, questiona Machado? Porque encontram as tais barreiras. No acesso aos passeios ("a calçada portuguesa é lindíssima, mas fatal"), exemplifica; no chegar ao jardim que fica no final de uma descida acentuada ("e não há muito em Portugal a tradição dos corrimãos nas ruas"); no desajuste dos tempos dos semáforos ("não se adequam a quem perdeu já algumas capacidades auditivas, visuais, de mobilidade").

"O envelhecimento da população urbana é um fenómeno relativamente recente e muito intenso, as autoridades ainda estão a aprender a lidar com ele", diz Carlos Fortuna. A solução está na alteração "da fisionomia das cidades", que têm de "aceitar que aqueles que protagonizaram o êxodo rural da década de 60 e que as fizeram crescer são os idosos de hoje". No caso dos centros históricos, diz, a solução está na renovação urbana. Ou seja, uma solução "demasiado longe" de quem já sente na pele os problemas.

Os desafios que o envelhecimento coloca não são uniformes. No centro histórico de Lisboa, as respostas a esta população aumentaram de tal forma que, diz Machado, há concorrência entre respostas sociais, "está toda a gente a querer levar o almoço ao idoso em casa e há pessoas que recebem dois almoços". Já nas Avenidas Novas, onde moram mais idosos de classe média, há menos respostas deste tipo. Falta aperfeiçoar o levantamento das necessidades e articulação entre instituições.

Outro termo de comparação? Nas zonas rurais "rarefeitas", como lembra Álvaro Domingues, até pode acontecer não haver resposta alguma.

Sondagem

Os problemas económicos (35,8 por cento) e a solidão (26,4 por cento) são, segundo os portugueses inquiridos no âmbito de uma sondagem da Marktest, as principais dificuldades dos idosos. As questões relacionadas com a assistência médica (14,4) e a falta de equipamentos de apoio (12,7) também são referidas, mas por menos pessoas. O aumento das reformas é defendido por 39,6 por cento da população - como forma de resolver os problemas dos mais velhos. Em segundo lugar (25,3 por cento), é apontada a necessidade de disponibilizar mais apoios às famílias para que elas consigam manter os idosos em casa. Por outro lado, a criação de mais lares é reclamada por 24,4 por cento dos inquiridos. A sondagem da Marktest (envolveu 814 entrevistas telefónicas) foi realizada a propósito do Dia Mundial dos Avós, a 26 de Julho.