in Jornal Público
Degradação, aliada a preço elevado das casas (compra ou arrendamento), empurra jovens para fora dos centros das cidades
Os ratos "não largam". As bacias espalham-se ao mínimo sinal de chuva. Não há vizinhos nos andares de cima, desde que um incêndio deflagrou. É preciso ir lá pôr bacias, evitar que a água chegue cá abaixo, onde dorme Ricardo Amaral, caloiro de Contabilidade e Administração, a avó, a mãe e o irmão. A família só pensa em sair.
O diagnóstico está há muito feito. O congelamento das rendas ditou o desinvestimento dos proprietários. Essa demissão, conjugada com a negligência e com a pobreza dos moradores, comandou a degradação dos centros históricos. É como se os senhorios se limitassem a aguardar a morte dos inquilinos, meneia Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza. Depois, reina a especulação, achega José Eduardo Macedo, da Associação Portuguesa dos Empresários de Mediação Imobiliária. "Alguns proprietários acham que têm ali um filão de ouro!" Pedem por uma (quase) ruína valores indicados para uma casa já recuperada.
O mercado de arrendamento também empurra para fora dos centros. A família de Ricardo Amaral paga, na Ribeira do Porto, 183 euros de renda. Por um apartamento que mete tanta água parece-lhe excessivo. "Estou apegado a esta zona. Estou perto de tudo. Tenho transportes. Mas não há casas em condições para estabelecer uma família." A avó teve dez filhos. Os tios saíram todos do centro histórico. Para Gaia, para Valongo, para Gondomar.
Não será sempre assim. O geógrafo Álvaro Domingues, lembra-se de há 20 anos ver escadotes e andaimes a segurar prédios na Ribeira do Porto. Havia pessoas a viver em corredores. Agora avista a inversão do discurso da ruína. "Os centros históricos nunca estiveram tanto na moda." Enformam um produto diferenciado.
Ao velhinho Bairro de Alfama, em Lisboa, "chegam cada vez mais estrangeiros para viver", diz Lurdes Pinheiro, da Junta de Freguesia de Santo Estêvão. E na Junta da Madelena, segundo o presidente Jorge Ferreira, começam a aparecer mais "pessoas de 30-40 anos, de um segmento económico alto, que podem pagar os preços das casas". Certo, diz Álvaro Domingues, é que a perda da alma ou identidade destes locais é um processo que parece quase inevitável. Os centros históricos transformam-se em parques temáticos. A.C.P. e A.S.