25.11.07

Programa de combate à solidão dos idosos

Andreia Sanches, in Jornal Público

Luci e o aviador que a leva a passear "de mão dada"


Aos 92 anos, Luci não se cansa de falar das viagens que fez "all over the world" e dos sítios onde viveu quando era jovem "e adorava dançar" - "Nova Iorque, Bruxelas, Inglaterra, Canadá..." Um dia, a explicadora de Inglês e Francês regressou de vez a Lisboa, à casa grande, "de cinco quartos, duas casas-de-banho, um terraço", onde hoje vive sozinha com três gatos, perto da Avenida de Almirante Reis. Um deles está no seu colo, a receber festas, enquanto ela fala: "Estás velho, como eu... What can we do?" Luci já não ensina línguas, mas continua a praticar.

Por saberem como adora conversar sobre viagens, as técnicas do programa Mais Voluntariado, Menos Solidão, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), deram-lhe uma prenda: a sua casa passou a ir, uma vez por semana, Paulo - "um aviador com uma paciência inaudita", descreve Luci.

Paulo é um dos 125 voluntários do programa desenvolvido pela SCML, em parceria com a Associação Coração Amarelo e a Delegação de Lisboa da Cruz Vermelha. Constituem verdadeiras brigadas de combate à solidão e ao isolamento. Acompanham 104 idosos que vivem sozinhos, alguns dos quais nunca sairiam de casa se essas visitas não acontecessem.

Estas pessoas estão espalhados por toda a cidade. É que o peso dos idosos em dificuldades não se faz sentir só no centro histórico, nota Paulo Machado, chefe do Núcleo de Ecologia Social do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que, em 2004, defendeu a tese de doutoramento As malhas que a (c)idade tece - mudança social, envelhecimento e velhice em meio urbano. Na verdade, "em números absolutos é em São João de Deus, São João de Brito, Campo Grande, Alvalade, Nossa Senhora de Fátima, que está o maior número de idosos". Em Alvalade, por exemplo, a proporção de pessoas com mais de 65 anos é de 35 por cento. A visibilidade que estes idosos têm é que é menor.

Luci é uma delas. Já sobreviveu a duas quedas, mas ficou "com fobia a escadas". Não desce sequer as do seu prédio. Só se tiver ajuda. E vai tendo. Uma vez por semana Paulo bate-lhe à porta: "Vamos à rua de mão dada. Perguntam-me: "Luci, como é que arranjaste um noivo tão novo e bonito?" E quando ele vem fardado com a farda da TAP, nem imagina que bonito...".

Para além do "aviador" - "no outro dia mostrou-me a Internet, eu não sabia o que era, apareceu aí com uma caixa [um computador] e perguntou-me: "o que é que quer ver?" Fiquei maravilhada" - Luci recebe as visitas regulares de Lurdes, uma desempregada de 54 anos que depois da empresa onde trabalhava ter fechado entendeu que "era preciso ser útil". "Hoje, a Lurdes é mais do que voluntária, é uma amiga", conta Luci, que há muitos anos se separou do marido e não tem mais ninguém. "Os meus pais e irmão morreram todos."

Lurdes marca as consultas, ajuda com as compras, conversam ao telefone fora dos dias de visita. Os olhos de Luci brilham, à medida que faz festas ao gato que salvou da rua e fala da "Lurdinhas". "Eu salvei os gatos e a Santa Casa salvou-me a mim."
Tem uma reforma pequena, mas as poupanças que fez vão chegando para viver sem grandes preocupações. É a solidão o que mais a atormenta, sobretudo à noite e aos domingos, quando nenhum voluntário lhe entra pela casa. A solidão tira-lhe a vontade de tudo. Até de comer. Por isso, se tivesse uma varinha mágica, o seu desejo era "ter um voluntário também ao fim-de-semana".

104
idosos de Lisboa beneficiam do Mais Voluntariado, Menos Solidão, um programa com 125 voluntários