29.11.07

Portugal tem uma "nova classe" de pobres!

Jovita Ladeira, in Jornal do Algarve

A existência de 2 milhões de pessoas que vivem em situação de pobreza em Portugal, representa uma injustiça e constitui uma ofensa à dignidade pessoal que só nos pode incitar ao mais profundo inconformismo. A pobreza e a exclusão social constituem um dos maiores desafios do nosso século, na medida em que colidem com o exercício dos direitos fundamentais dos seres humanos. No nosso país, os indicadores inerentes à pobreza e à exclusão social deixam-nos sérias preocupações. Os últimos indicadores colocam-nos no topo dos países da UE em maior risco de pobreza ao mesmo tempo que o fosso entre ricos e pobres continua a aumentar. A taxa de pobreza atinge cerca de 20% da população, o que equivale a dizer que 1 em cada 5 Portugueses vive em situação de pobreza, este valor é significativamente superior ao da média europeia. Estima-se que estes 20% passariam para 41% se o Estado deixasse de pagar os subsídios sociais, o que mostra que a pobreza é um problema estrutural. Adultos e crianças vivendo em agregados em que nenhum dos elementos tem emprego, representa em Portugal 13.5% contra os 9.8% da média da UE. Os idosos e as famílias mais numerosas constituem os principais grupos de risco de pobreza em Portugal. Se até há anos atrás ter um emprego representava a estabilidade económica, hoje ter um emprego nem sempre protege as pessoas do risco de pobreza. A taxa de risco de pobreza para aqueles que têm um trabalho é de 8% na União Europeia e de 14% em Portugal. Há muitos portugueses que, apesar de trabalharem a tempo inteiro, continuam a viver abaixo do limiar da pobreza (360 euros mensais de acordo com a bitola europeia) e, demasiados não têm no final do mês todos os rendimentos para fazer face às necessidades do seu agregado familiar. Esta é a “nova pobreza” portuguesa. Portugal combina a “velha pobreza” que já vem de trás, característica de uma população mais idosa e rural, com uma “nova pobreza” que são aquelas pessoas com emprego, mas sem rendimentos suficiente para acudir a todas as necessidades da família. Apesar de o Estado gastar milhões para combater a pobreza verificamos que ela é persistente e indiferente aos ciclos económicos. O Orçamento de Estado para 2008 vem alargar o seu apoio aos portugueses que mais sofrem, refira-se o alargamento do complemento solidário para idosos aos maiores de 65 anos, a reposição do poder de compra a todos os pensionistas com pensões inferiores a 600 euros, o apoio directo às famílias com um abono pré-natal às grávidas, aumento do abono de família para as crianças até aos três anos e a duplicação da dedução fiscal. Naturalmente que estas medidas terão o condão de aliviar o sofrimento mas não de o resolver. Destas circunstâncias queria referir duas medidas que, do meu ponto de vista, poderiam ser mais uma ferramenta no combate à pobreza: primeiro, a prioridade em conhecer e permanentemente diagnosticar os problemas e avaliar das medidas implementadas; segundo, a necessidade de estimular a escuta e a dinamização da participação activa dos cidadãos, particularmente dos que enfrentam situações de pobreza e de exclusão social. O primeiro aspecto concretiza-se com a criação de um Observatório Regional de Combate à Pobreza. Esse Observatório, com a necessária expressão a nível local, não deveria ser uma simples ferramenta de conhecimento académico mas um reservatório de conhecimentos, para ajustar politicas e modelo de intervenção, e de participação activa de todos aqueles que intervêm nesta área. Quanto ao segundo aspecto seria uma boa prática ouvir aqueles que enfrentam situações de pobreza e de exclusão social de forma a encontrar as dinâmicas adequadas para recuperarem desse estado de pobreza, proporcionando apoio à reformulação de projectos de vida. Esta seria uma forma de romper com situações de desvantagem cumulativa e de herança de pobreza. A entrega à sociedade civil desta tarefa, através de organizações não governamentais, seria uma aposta correcta. Para isso seria importante que fosse canalizada uma parte dos fundos comunitários para essas organizações, no sentido de experimentar a sua gestão autónoma. Esta é uma boa prática implementada com sucesso em vários países e que poderia produzir efeitos de grande amadurecimento da própria sociedade civil no que se refere ao grau de co-responsabilização no combate à pobreza, para além de garantir uma maior proximidade dos recursos financeiros em relação aos problemas diagnosticados. A luta contra a pobreza é uma luta de pobres e não pobres, é um desígnio de todos os cidadãos.