Alexandra Campos, in Jornal Público
"É uma ajuda para quem não tinha nada", comenta o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas. Crianças abrangidas continuam a receber 75 euros por ano para consultas
O ministro da Saúde revelou ontem o valor dos cheques-dentista a que, a partir do próximo ano, passam a ter direito as 65 mil grávidas seguidas nos centros de saúde e os 90 mil idosos mais pobres. Se as primeiras vão receber três vales no valor de 40 euros cada, os idosos com rendimentos inferiores a 364 euros/mês ficam-se pelos dois, num total de 80 euros por ano. Os cheques podem ser usados nas clínicas privadas que aderirem ao novo programa, o qual deve começar a funcionar no primeiro trimestre de 2008.
Para o nicho dos idosos que recebem o complemento solidário e são seguidos no SNS está ainda prevista uma comparticipação de 75 por cento nas próteses dentárias, até um valor máximo de 250 euros, de dois em dois anos. Quanto às crianças e jovens entre os três e os 16 anos, vai ser reestruturado e alargado o actual programa de promoção de saúde oral, que abrange cerca de 60 mil. A ideia é incluir mais 20 mil, no próximo ano, mas o apoio financeiro (para além da educação para a saúde oral e prevenção de cáries, estão previstas consultas) mantém-se nos 75 euros anuais, valor negociado há já vários anos. No total, passam, assim, a estar abrangidos pelo novo Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral 235 mil pessoas, quando se estima que mais de metade dos portugueses não acedem à medicina dentária - são raros os dentistas a trabalhar nos hospitais públicos e nos centros de saúde.
São "grupos prioritários e vulneráveis", justificou ontem o ministro. "É uma ajuda para quem não tinha nada", comenta o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), Orlando Monteiro, que ontem assinou o protocolo que prevê estes novos apoios, em Lisboa. Destacando o facto de os beneficiários dos cheques passarem a poder aceder "de forma simples e prática, ainda que faseada e limitada, à medicina dentária", o bastonário nota que estes valores dão para custear consultas e, por exemplo, para preparar a colocação de uma prótese dentária.
"É um ponto de partida histórico. Os valores é que não são históricos", ironiza o anterior bastonário da OMD, Fontes de Carvalho, que durante duas décadas tentou chegar a acordos com os sucessivos ministros da Saúde, sempre sem sucesso. "Estes valores pouco mais pagam do que os custos das consultas no privado. Não digo que sejam insultuosos, mas são fantasiosos." O médico dentista teme mesmo que este anúncio crie "expectativas que acabem por sair frustradas". E receia que seja posta em causa a qualidade do atendimento. "É capaz de haver muita gente a anuir, mas se calhar não vai cumprir as regras básicas", avisa. Uma ideia que Orlando Monteiro não partilha, apesar de admitir que estas consultas possam ser muitas vezes destinadas a cuidados de emergência.
Actualmente não existe uma tabela de honorários, depois de a Autoridade da Concorrência ter multado a OMD em 2005 por estipular preços mínimos e máximos no seu boletim. Mas, em média, nos actos mais simples, como as limpezas orais, extracções pouco complexas, "se o médico cobrar menos de 60 euros, perde dinheiro", calcula Fontes de Carvalho. Tratar uma cárie simples fica por 70, 80 euros. Já uma prótese integral a preços mais baixos (de acrílico) ultrapassa os 700 euros, diz. "O material é muito caro, tal como os equipamentos (equipar um consultório custa cerca de 50 mil euros)" e é necessário fazer "esterilizações capazes". Além disso, calcula-se que sejam necessárias muitas próteses integrais no país: a partir dos 65 anos, metade dos portugueses não tem dentes, adianta Orlando Monteiro.
O acesso dos cidadãos aos cuidados dentários é uma batalha antiga em que a OMD foi recuando. Basta ver que, em 2004, Orlando Monteiro anunciou que ia propor ao então ministro da saúde, Luís Filipe Pereira, um esquema faseado de comparticipação de uma consulta por ano, para abranger 40 por cento dos utentes do SNS, entre 2005 e 2007. O que implicaria um gasto de 37,4 milhões de euros em 2005, 45,5 no ano seguinte e 55,2 em 2007. "Basta um quarto do que se gastou num estádio de futebol", explicava então.