28.11.07

Transmissão do vírus da sida de mãe para filho é cada vez mais residual em Portugal

Bárbara Simões e Catarina Gomes, in Jornal Público

Nos primeiros nove meses deste ano, o laboratório de referência registou um único caso de infecção por esta via

Portugal é dos países da Europa Ocidental com maior número de novo casos de HIV: 1418foram notificados entre Janeiro e Junho


É uma boa notícia num cenário que continua pouco animador. A queda drástica dos valores da transmissão do HIV de mãe para filho é hoje apontada como "um dos maiores sucessos" do combate à doença no país.

A transmissão vertical chegou a ser superior a 25 por cento - no início da década de 1990, mais de um quarto dos filhos de mães infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana/sida eram também infectados. Em 2000, os valores situavam-se nos 3,8 por cento e, nos primeiros nove meses deste ano, não iam além de 0,5 por cento (um único caso em 195 recém-nascidos de mães portadoras de HIV analisados), uma percentagem que fora já alcançada em 2005.

Os números foram ontem apresentados pela investigadora Elizabeth Pádua, do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge), num workshop para jornalistas em Lisboa. Dizem respeito a 28 instituições de saúde nacionais, do continente e da Madeira, que aderiram a um protocolo laboratorial para estudo e diagnóstico da transmissão do HIV de mãe para filho.

O médico especialista em Medicina Interna Eugénio Teófilo (do Hospital dos Capuchos, em Lisboa) trabalha com a Maternidade Alfredo da Costa, também na capital, e confirma que não tem havido qualquer caso destes. "Estamos com zero por cento de transmissão [vertical]."

A regra é todas as grávidas serem testadas para o HIV/sida. Em caso de infecção, a forma de evitar a transmissão do vírus passa pelo tratamento com anti-retrovirais, o parto por cesariana e o aleitamento artificial.

Foi este procedimento preventivo sistemático que tornou possível aquilo que os especialistas não hesitam em classificar como "um dos maiores sucessos" do combate à doença, nas palavras de Elizabeth Pádua.

Mas Portugal continua a ser um dos países com maior número de declarações de novos casos de HIV/sida na Europa Ocidental. Entre Janeiro e Junho deste ano foram recebidas 1418 notificações.

Eugénio Teófilo justifica os números portugueses com "um défice de prevenção" e aproveita para criticar as campanhas que têm sido feitas, por "não serem apetecíveis em termos visuais", acrescentando que "muitos desdobráveis [sobre HIV/sida] usam português erudito que as pessoas não vão ler".

O médico lembra ainda que o aumento de doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, indicia "o ressurgimento de comportamentos sexuais de risco".
Desde 2002, a população heterossexual infectada ultrapassou a de toxicodependentes nas notificações, sublinhou Elizabeth Pádua. No primeiro semestre deste ano, 54,7 por cento dos casos são heterossexuais que referem como forma provável de infecção a transmissão sexual.

Um dos problemas de Portugal "são os valores muito altos de casos de sida", o que significa que muitas pessoas são diagnosticadas quando já têm a doença depois de anos de evolução sem sintomas, diz Eugénio Teófilo. Como exemplo, aponta o caso de "homens que se infectaram nos anos 1980, nunca fizerem teste, e aparecem já com sida".