5.4.08

Agressores de crianças mais velhos que outros agressores

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

O estudo foi realizado com uma amostra de 116 reclusos das cadeias do
Porto, Matosinhos e Paços de Ferreira


A Cuidado. Algumas frases contidas na tese Distorções cognitivas e agressão sexual: estudo exploratório com agressores intra e extrafamiliares, defendida por Armando Coutinho Pereira na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, podem chocar os leitores mais sensíveis. Como estas, proferidas por um recluso: "Para mim sexualidade é uma questão de amor, para mim foi amor. Tinha mais prazer com ela, com a miúda, do que com a mãe. Era mais regular".

Seleccionou 116 homens, dos 18 aos 72 anos, condenados por crimes sexuais, a cumprir pena no distrito do Porto. Obteve uma média de idades (39,4) superior à da população reclusa em geral (35,4 em 2004) por causa dos abusadores de crianças. A idade média dos que fazem vítimas adultas é de 33 anos, enquanto a dos que fazem vítimas menores é de 43. Motivo? O investigador pegou nas 32 entrevistas "com mais conteúdo" e procedeu a uma análise qualitativa. Verificou que, nos abusadores de menores, "é muito importante a proximidade". Mais do que as características físicas das vítimas, focam o seu comportamento.

Quase metade (49 por cento) dos agressores sentiu atracção "por crianças que pareciam ser pouco confiantes ou estar sozinhas ou tristes". Um deles verbalizou: "Não consigo ver uma criança sozinha, por isso cuidava dela, dava-lhe atenção". Perto de metade (46 por cento) acreditava ter "uma relação especial com a criança" que vitimizara. De um modo geral, usam um conjunto de crenças para se legitimar. Muitas vezes, referem-se ao acto como um jogo, uma prática educativa, uma forma de amor. "No fundo, estamos a falar de sexualidade e do muito que se sabe e do muito que não se sabe de menores - não se sabe muito bem onde termina o afecto e começa a agressão", diz o psicólogo.

A tendência para minimizar as consequências é menor quando a vítima não é da família. Sobretudo os agressores sexuais de adultos tendem a afirmar que não planearam o acto, "desvalorizando a sua conduta, remetendo-a para a contingência do momento". Com frequência, desculpam-se com o consumo de substâncias psicoactivas (72,4 consome alguma coisa). "Comecei a beber com 16 anos (20 "Favaios" com cerveja pela manhã, mais vinho com cerveja (um litro), há quem diga. As distorções funcionam como um modo de justificar um comportamento. E o não confronto resulta na cristalização desse comportamento, avisa o autor. Que se passa? Por um lado, nas cadeias "não há programas estruturados" para agressores sexuais. Por outro, "como uma das características mais evidentes do agressor sexual é a sua insinceridade, os elementos da orgânica prisional rapidamente adoptam estratégias de não confronto com a situação, com excepção para o início do cumprimento de pena aquando da mediatização do caso, que tantas vezes resulta em agressões por parte dos demais reclusos e ou guardas prisionais". É mesmo comum estes reclusos serem "aconselhados pelas chefias das cadeias a não revelar" o seu crime.

Uma última nota: o grosso das vítimas é do sexo feminino. O investigador concluiu que os agressores "têm um conceito muito redutor e primário" de mulher. Vigora a ideia de "mulher submissa, que existe para servir, que depende economicamente do elemento masculino do agregado, que procura e está sempre disponível para o acto sexual".

A categoria emergiu dos relatos. "A mulher deve ser honesta, dar o carinho que o homem precisa, ter uma maneira diferente", ajuizou um. "Quando saía de casa dava algumas ordens: casa arrumada, jantar feito quando regressasse, miúdos limpinhos, e roupa pronta para tomar banho e sair para o café", diz outro. "Para mim a mulher não precisa de trabalhar, não sou desses, porque depois os patrões tentam fazer-se a elas", referiu ainda outro.