Bárbara Wong, in Jornal Público
A associação das escolas privadas defende a gratuitidade do ensino e mostra até amanhã, no Porto, o que de melhor se faz no sector
João Alvarenga está à frente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) há um ano. Há 24 anos que é director do Colégio Didálvi, em Barcelos, onde recebe alunos a partir do 5.º ano. A escola tem um contrato de associação, financiado pelo Ministério da Educação (ME), que permite que qualquer aluno a frequente. Defende que o "ensino privado tem feito mais por menos" e que, por isso, deve ser gratuito. No Porto decorre até amanhã um simpósio e mostra destas escolas.
PÚBLICO - Considera que o Ministério da Educação olha para o ensino privado como concorrente do público?
JOÃO ALVARENGA - A senhora ministra elegeu como grandes objectivos do seu mandato a escola pública, que é aquilo que entende como a escola estatal. Nós aspiramos a uma ministra de Educação nacional que promova todo o sistema, onde existe público, privado, particular, social e cooperativo. Defendemos que os diferentes sectores sejam tratados de forma igua, porque todos respondem ao serviço público de educação- embora compreendamos a necessidade de elevar a qualidade da escola dita estatal.
Medidas como o Inglês e a escola a tempo inteiro no 1.º ciclo, que muitos colégios já ofereciam, chegaram ao ensino público. Como avalia isso?
Vemos mérito naquilo que a senhora ministra está a fazer no ensino público, ao implementar muito do que o privado faz.
Como por exemplo?
Desde sempre que o privado tem estabilidade do corpo docente, essa é uma medida acertada. Tal como o Inglês ou as actividades extracurriculares. A nível do ensino tecnológico, o privado tem muita experiência e está na vanguarda. Portanto, apraz-nos que o que temos feito esteja a ser aproveitado.
Mas o ensino privado não corre o risco de deixar de fazer sentido, uma vez que a oferta é a mesma?
Não, porque o privado soube inovar, quando o Estado não o fazia. Soube fazer escolas onde o Estado não chegava. Portanto, vai continuar a inovar e a adaptar-se à nova sociedade e ficará feliz por se manter na vanguarda e por esta servir para se generalizar a todo o ensino.
Em termos de resultados dos exames do 9.º e 12º anos, os alunos do privado têm melhores classificações, não se distanciando muito dos do público. Não deveriam conseguir melhores resultados, visto que têm um acesso privilegiado à educação e à cultura?
Não concordo e gostaria de desmistificar essa imagem. O ensino privado não é só para as pessoas ricas. O privado não é elitista, pois 50 por cento é gratuito e é frequentado por filhos de famílias carenciadas. Há muito privado no interior do país, onde o Estado não fez escolas. Portanto, os resultados dos rankings não são só dos colégios dos grandes centros, mas também de zonas carenciadas.
O ensino privado gratuito existe porque os colégios têm contratos de associação com a tutela, que paga a frequência dos alunos, quando não há oferta pública. Em vez de defender o cheque-ensino, a Aeep não deveria propor ao ME a criação de mais contratos desse género?
O importante é a gratuitidade do ensino básico conjugado com a liberdade de opção das famílias. A forma de chegar à gratuitidade pode ser o cheque-ensino, a dedução no IRS... É uma questão de acerto. O privado tem feito mais por menos, o Estado paga menos por ter os alunos no privado.
Como é que isso é possível?
É uma questão de gestão. Se o ensino for gratuito, o Estado deixará de ter o monopólio da educação e aí teremos um sistema educativo melhor.
Por que é que será melhor?
A população portuguesa já percebeu que não é exequível ter todas as fábricas geridas pelo Estado, ou que o Ministério da Agricultura faça a gestão de todas as quintas do país. O Estado tem de ser árbitro e não patrão.
Mas não se pode colocar a educação no mesmo patamar que a gestão de uma fábrica. Educar não é formar os futuros cidadãos?
Exactamente por isso! Educação significa "estar com" e, se o Estado é o grande patrão, dificilmente "está com", porque está distante. Se há projectos da sociedade civil, deveriam ter igual tratamento, ou seja, a gratuitidade.
Até que ponto interessa a gratuitidade aos pais que querem que os filhos cresçam no ambiente protegido do colégio?
Desde há muito que os pais optam pelo privado procurando valores, uma forma de estar na vida, as condições materiais e pedagógicas dos estabelecimentos e também a segurança. É possível que, dado o contexto difícil que se vive na escola estatal, os pais optem por questões de segurança, mas defendemos uma escola que eduque.
É impensável um problema de violência escolar num colégio?
Não digo que seja impensável, mas não tenho conhecimento de situações graves. Não quer dizer que não aconteçam, mas, se as escolas estiverem enquadradas numa comunidade e apoiadas, se tiverem liderança interna, se tiverem um projecto educativo, naturalmente que um problema de indisciplina é conduzido de outra forma.
Porquê?
Porque no ensino privado os projectos privilegiam a educação e só depois a instrução. Quando uma escola só se preocupa com a instrução, está a criar um desequilíbrio nos jovens. A escola, em primeiro lugar, tem de estruturar a personalidade dos jovens, dar-lhes valores, levá-los a perceber como lutar por ideais, falar-lhes de autodisciplina, de método de trabalho, e só depois vem a instrução.
Todo esse trabalho que atribui à escola não deve ser feito em casa?
Com certeza, mas temos de trabalhar com a sociedade que temos e é evidente que, se os pais o fizessem, a escola não teria de fazê-lo. Temos uma geração de pais que já não tiveram essa educação e que não têm tempo para a dar. Se a escola se demitir, então onde é que fica a educação?
Que avaliação faz dos protestos dos professores do ensino público contra a avaliação?
Essa questão deve ser discutida com os sindicatos. Somos defensores acérrimos da avaliação de professores e das escolas. No caso do privado, há dois anos que estamos a fazer avaliação do desempenho e esta foi negociada com os sindicatos.
Há más escolas no ensino privado?
Como em todo o lado. Mas, no privado, os directores sabem que, se tiverem um problema, no ano seguinte têm menos matrículas. Por isso, preocupam-se mais com o que se passa dentro da escola.