Por Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Em 15 anos, os portugueses gastam o dobro na habitação e metade do que gastavam em alimentação
Cada vez mais, o orçamento das famílias portuguesas fica dentro da própria casa. Ou melhor, é gasto com ela. A corrida à compra de uma casa própria com recurso ao crédito e a correspondente subida de preços registada no mercado imobiliário fez com que o peso das despesas com habitação no orçamento familiar dos portugueses mais do que duplicasse durante os últimos 15 anos.
E agora, como nunca antes se tinha verificado, a habitação é, de longe, a principal preocupação dos portugueses quando estão a preparar o seu orçamento.
De acordo com os dados ontem publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), entre Outubro de 2005 e Outubro de 2006, os agregados familiares gastaram, em média, 26,5 por cento do seu orçamento com habitação, o que inclui as despesas pagas com a renda de casa, o valor que pagariam de renda numa casa de que são proprietários e as contas de água, gás e electricidade.
Nos anteriores inquéritos aos orçamentos familiares - que são realizados de cinco em cinco anos -, o peso da habitação era substancialmente mais baixo. Há quinze anos, não ultrapassava os 12,4 por cento e apenas ocupava o terceiro lugar no ranking das principais despesas. O INE explica que, "para este comportamento, foi determinante a importância crescente da habitação própria", responsável por 70 por cento da componente habitação.
Em 1990, as preocupações eram outras. Para os alimentos e bebidas não alcoólicas, ia logo 29,5 por cento do orçamento, deixando pouco espaço de manobra para outro tipo de gastos. Agora, esta componente da despesa já só representa 15,5 por cento do total, o que constitui também uma descida face aos 18,7 por cento de 2000.
A redução do peso das despesas em alimentos e bebidas não alcoólicas é um fenómeno natural numa sociedade que vai progressivamente enriquecendo. À medida que as pessoas ficam mais ricas, aproveitam o rendimento adicional para consumir bens e serviços menos imprescindíveis. As necessidades de primeira ordem, como a alimentação, já estariam mais satisfeitas e, por isso, não é por haver mais dinheiro que se vai consumir mais, levando este tipo de bens a perder progressivamente seu peso no orçamento familiar.
É por isso que na região mais rica do país, Lisboa, as despesas com alimentação representam apenas 14 por cento do total, abaixo da média nacional. E é também por isso que Portugal, o país com o PIB per capita mais baixo da zona euro, está ainda longe do valor que, em média, é dedicado à alimentação nos 15 países do euro: 12,9 por cento.
Outra tendência é a diminuição do peso das despesas com vestuário e calçado, que passaram de 6,6 por cento em 2000 para 4,1 por cento em 2006. Neste caso, a descida de preços trazida pela entrada no mercado dos produtores dos países emergentes também constitui uma explicação.
Espaço para outros serviços
Com a redução da importância destes bens de primeira necessidade, as famílias portuguesas estão - apesar da pressão crescente para pagarem a casa - a conseguir gastar uma parte maior do seu dinheiro em bens e serviços menos essenciais. As despesas com lazer, distracção e cultura aumentaram nos últimos quinze anos de 3,9 para 5,7 por cento. Os gastos com hotéis e restaurantes subiram moderadamente e a componente onde estão os "outros bens e serviços" também viu a sua importância reforçada de 4,8 para 6,5 por cento. É por isso que, como explica Luís Vieira e Silva, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), se verificam "alterações na oferta comercial com o aparecimento de lojas especialistas em decoração, tecnologia, comunicações, brinquedos ou cultura". E mesmo nos formatos mais dedicados à alimentação, como os supermercados ou hipermercados, nota-se a incorporação de "áreas dedicadas progressivamente maiores, como por exemplo para jardins ou telecomunicações".
Mais saúde e educação
Outra preocupação crescente no orçamento dos portugueses é a despesa com saúde e educação, que acentuaram desde 2000, a tendência de subida. Em 2006, os gastos com saúde, cujo maior peso está nos medicamentos, atingiu os 6,1 por cento, enquanto o ensino representou 1,7 por cento.
A maior importância deste tipo de despesas pode ter várias explicações que vão desde a subida dos preços dos medicamentos, o aumento da comparticipação exigida pelo serviço público ou a preferência crescente por serviços privados.
Nos dados referentes às despesas de transportes, que tem como principal componente a aquisição de automóveis, detectam-se os efeitos da crise. Depois de se manter, entre 1990 e 2000 sempre acima da média europeia, o peso deste tipo de despesa caiu em 2006.
Alguns dados
O que mudou no consumo e no conforto
O rendimento anual líquido de um agregado familiar foi de 22.136 euros. Em Lisboa, este indicador superou em 24% a média nacional e em cerca de 50% o do Alentejo.
Pela primeira vez nas estatísticas do INE, o número de famílias com computadores em casa superou aquelas que têm uma máquina de costura.
O rendimento por pessoa dos 20% mais ricos é 5,5 vezes maior do que o dos 20% mais pobres.
Em 1995, apenas dois por cento das famílias tinham telemóvel. Em 2006, esse valor já vai em 81,4 por cento, ultrapassando já o telefone de rede fixa, que começou a ser abandonado nos últimos cinco anos.
O microondas é, a par do telemóvel, o bem com mais rápida implementação nos últimos dez anos nos lares dos portugueses. De 11,6 por cento em 1995, passou-se para 70,2 por cento agora.
Frigorífico, fogão e televisão são os três equipamentos que não faltam em quase todas as casas, atingindo valores próximos de 99 por cento.