7.4.09

Cavaco afirma que a crise era previsível desde 2007

Helena Teixeira da Silva, in Jornal de Notícias

Politólogos interpretam prefácio do livro do presidente da República como recado para Sócrates


Cavaco Silva diz não ter ficado "excessivamente surpreendido" com a crise e prometeu ajudar o país a resolvê-la. Mas ressalva que não lhe cabe "legislar ou governar". O prefácio de "Roteiros III" é um recado para Sócrates?

"O presidente da República está claramente a tentar demarcar-se do Governo, que foi relativamente lento a reconhecer o abrandamento económico de Portugal", nota, ao JN, André Freire, citando, como exemplo, o orçamento rectificativo para 2009.

O politólogo afirma, no entanto, ter dificuldade em perceber por que razão Cavaco Silva, que agora escreveu que "desde muito cedo se tornou óbvio que uma crise do sistema financeiro internacional não poderia deixar de vir a ter consequências muito negativas sobre os níveis de produção, o emprego e as condições de vida das famílias", não falou mais cedo. "Não me lembro de que ele tenha dado sinais de aviso nesse sentido antes do discurso do final do ano de 2008", observa.

A verdade é que, nessa altura, quando outros países começavam já a ressentir-se, José Sócrates ainda não reconhecia a situação. Daí que João Cardoso Rosas, mestre em Filosofia Social e Política, também interprete a introdução ao livro que reúne as principais intervenções de Cavaco Silva durante o terceiro ano do seu mandato como "uma crítica ao Governo".

Em "Roteiros III", o chefe de Estado garante que desde o segundo semestre de 2007 que "se tornou claro que se estava perante uma deterioração acentuada do sistema financeiro internacional". E não se inibe de usar três vezes no mesmo parágrafo a palavra "verdade". "Só conhecendo a verdade da situação económica do país e dispondo de informação correcta podem as pessoas tomar decisões certas e ponderadas".

"O Governo achava que conseguiria fazer uma gestão da crise até às eleições. Cavaco obrigou-o a recuar na estratégia e a tomar medidas", analisa João cardoso Rosas. Isso, acrescenta, "ditou o progressivo afastamento e o resfriamento das relações entre S. Bento e Belém, mas sem que se corra o risco de vermos Cavaco Silva a radicalizar o seu discurso. A sua posição será sempre de cooperação, de equilíbrio".

José Adelino Maltez corrobora. Sócrates "é um ocupante transitório" em S. Bento. Mesmo que volte a ganhar as eleições "o cenário nunca será o mesmo porque o futuro é diferente do passado". O politólogo nota, no entanto, que quem está a fazer uma "ensurdecedora gestão de silêncio" é o próprio Cavaco. Não em relação à crise, mas a "assuntos igualmente fundamentais para o país, como a corrupção". E diz ter a expectativa de que o discurso do presidente da República para o 25 de Abril aborde essa matéria. E, directa ou indirectamente, o caso Freeport e o BPN.

Ainda sobre a crise, Cavaco Silva reconhece que "na situação que o país atravessa não pode limitar-se ao diagnóstico", mas ressalva que "não lhe cabe legislar ou governar". Sendo economista, e tendo conversas semanais com o primeiro-ministro, sublinha Viriato Soromenho Marques, "é óbvio que o chefe de Estado está a dizer que fez o que prometeu: isto é, dentro das suas competências, ajudar o governo a a tirar o país da crise." Agora, nota o professor da de Filosofia Social e Política da Universidade de Lisboa, "numa mensagem, 20% cabe a quem a diz e 80% a quem a ouve. Será que Sócrates a ouviu?", pergunta. "O Governo pode ter muitas perspectivas sobre a evolução da economia, mas não pode confundir verdades factuais com opiniões."