13.4.09

Crise leva crianças com fome ao hospital

in Jornal Público

Ao Amadora-Sintra chegam, sobretudo, menores filhos de pais com baixa escolaridade. Director-geral da Saúde admite alargar horário das cantinas escolares


Uns chegam ao hospital com fome e falta de higiene, outros entram com ténis de marca, mas mal alimentados. São meninos com carências alimentares originadas pela crise que o Amadora-Sintra começou a identificar há um ano e meio.

A situação foi relatada pela assistente social do Serviço de Pediatria do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), Madalena Barros, que associa o problema à debilitada situação económica de muitas famílias.

Também o director-geral da Saúde, Francisco George, admite que já existem "casos pontuais" de crianças com fome devido à crise, mas "ainda não constituem um problema de dimensão preocupante".

Para a assistente social do Amadora-Sintra, os casos até agora registados podem dividir-se em dois tipos diferentes: "Existem meninos que dão entrada no Hospital Fernando da Fonseca com fome e em más condições de higiene e de vestuário e outros que chegam bem arranjados, mas mal alimentados".

Traçando o perfil destas últimas famílias, Madalena Barros disse que são sobretudo famílias monoparentais que "gerem um bocadinho mal o orçamento que têm" e não querem ser "diferentes dos outros".

São mães com "a escolaridade obrigatória ou nem isso" que se preocupam mais com "a imagem do que com os cuidados básicos".

"Andar com uns ténis rotos ou umas calças usadas estigmatiza-os como pessoas carenciadas", elucidou Madalena Barros, acrescentando que muitos destes casos são de crianças entre os quatro e os seis anos.

Estas famílias "valorizam muito o aspecto, mas deixam cair as coisas importantes e fundamentais", como a alimentação, a saúde e a educação, o que "compromete o bem-estar das crianças", sublinhou.

A abordagem do hospital nestas situações é "sempre estratégica no sentido de capacitar a família e nunca de a confrontar com estas fragilidades".

Casos de negligência

"É fundamental estabelecer uma relação de confiança com estas famílias para as cativar a vir ao hospital", justificou Madalena Barros, acrescentando que, normalmente, estes casos são referenciados ao centro de saúde ou a associações que fazem apoio domiciliário para assegurar que não falhem as consultas.

Para Manuel Coutinho, psicólogo do Instituto de Apoio à Criança (IAC), trata-se de uma situação de "negligência".

"Há muitas famílias que vivem num teatro de aparências e compram o que não precisam com o dinheiro que não têm". Uma situação que se agrava com a crise e que "compromete bastante" as pessoas que têm rendimentos mais baixos, sustentou à Lusa.

Manuel Coutinho considera que, "podendo haver escolha na forma como se distribui o salário pelas prioridades da família, a última coisa que deve ser afectada são os bens essenciais".

"Acredito que muitas crianças estejam mal nutridas, o que significa que isso pode vir a tornar-se, mais tarde, num problema na saúde", sublinhou, acrescentando que há também casos de pais que alimentam os filhos com comida bastante calórica para lhes saciar a fome, em vez de lhes dar uma alimentação equilibrada.

A socióloga Vanessa Cunha disse desconhecer esta realidade, mas afirmou que poderão ser casos de "pobreza mascarada".

As unidades de saúde vão entretanto propor às famílias menus saudáveis e baratos para prevenir a má alimentação das crianças devido à crise e as autoridades ponderam mesmo alargar o horário das cantinas escolares, revelou o director-geral da Saúde.
Francisco George avançou que estão previstas "medidas de contingência" para responder aos efeitos da crise económica na saúde dos portugueses. As preocupações das autoridades situam-se a três níveis: alimentação das famílias, saúde mental e acesso igualitário aos serviços de saúde. Lusa