4.4.09

Instituições católicas muito dependentes do Governo

António Marujo, Raquel Abecasis (RR) e Daniel Rocha (fotos), in Jornal Público

O presidente da comissão social dos bispos fala da crise para criticar formação sem ética nas universidades, incluindo as católicas


Salários exorbitantes e obscenos, empresários que despedem quando podiam reconverter empresas. O ex-porta-voz dos bispos fala da crise a propósito de um simpósio que o episcopado organiza em Maio.

Como presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social [CEPS], perante o que se está a passar no país, o que tem a Igreja a dizer às pessoas?

D. CARLOS AZEVEDO - Há um documento da Comissão Nacional Justiça e Paz [CNJP] sobre a situação e cada um dos bispos tem publicado mensagens. Mas a resposta principal é dada no concreto, pelos centros sociais paroquiais, pela Cáritas, Conferências Vicentinas, uma série de movimentos. Há também respostas às aflições que as pessoas vivem: o desemprego cresce, sobretudo no Norte, já há situações muito graves. Alguns centros sociais já têm prejuízos, porque os pais não [podem] pagar. Esta é uma ocasião para mudar o estilo de vida.

A CEPS organiza um simpósio em Maio. O que espera dele?

O título é Reinventar a solidariedade em tempos de crise. Quer reunir pessoas de todas as dioceses e o mais jovens possível, para ser uma onda de esperança e de respostas concretas à crise. Teremos dez intervenções, cada uma com uma ideia nova. É uma oportunidade para as empresas serem cada vez mais empresas sociais, para alterar o modo apenas assistencialista de responder.

[A crise] tinha que acontecer. O modo como as pessoas estavam a viver, o neoliberalismo do mero lucro, da ganância como critério para organizar a economia...
A própria formação dos gestores: não se dava nenhuma ética e as pessoas quase assumiam que não tinham princípios e estavam interessadas só em ganhar dinheiro...

As universidades católicas formaram muitas das pessoas que estão à frente das grandes empresas. Houve falhas?

Sim. Certamente que há bons exemplos, há gente a lutar, a Acege [Associação Cristã de Empresários e Gestores] vai organizar também um simpósio. Há consciência de que as empresas precisam de dimensão social, há estruturas de "economia de comunhão", há alternativas, mas são raras. Trata-se de ajudar as pessoas a assumir a sua responsabilidade. Em Portugal, temos muito a ideia de que o responsável por tudo é sempre o Estado.

Pode haver, num tempo de crise como este, confusão e desespero. É muito importante manter a serenidade: é possível sairmos disto, encontrar caminhos. Essa será a grande proposta deste simpósio. E vamos recolher ideias mesmo na Internet. Todas as ideias positivas que nos chegarem vão estar no simpósio, que será transmitido em directo na Internet. Vamos fazer o possível para que toda a sociedade portuguesa possa ajudar a pensar e a dizer também à Igreja o que ela pode fazer.

Não seria útil as instituições da Igreja trabalharem em rede?

O trabalho em rede é uma das preocupações. A coordenação da pastoral social em cada diocese, com o levantamento que a Universidade Católica está a fazer de todas as actividades sociais da Igreja, ajudará a perceber como há sinergias que não são aproveitadas. As estruturas da Igreja precisam também de encontrar mais abertura umas às outras.

O documento da CNJP fala de despedimentos abusivos. Em Portugal, poucos administradores, que têm dos mais altos salários da Europa, decidiram baixar os ordenados, num país maioritariamente católico. Os empresários católicos não deviam ser os primeiros a dar o exemplo?

A CNJP fez essa reflexão, a mensagem do Dia Cáritas aludia também a isso. São apelos, que devem ser fortes e veementes, mas que têm de encontrar respostas. Algumas empresas, felizmente não muitas, tinham capacidade financeira de recuperar e não abrir falência, aproveitaram a ocasião para o despedimento. É um atentado à ética. Quanto aos ordenados exorbitantes dos gestores, começa a ser gritante. É necessário que haja um pouco de decência, porque é mesmo obsceno no nosso tecido social.

Esta sucessão de iniciativas da Igreja pretende ser uma forma de oposição política ao Governo no campo social?

Nunca é oposição partidária, mas é um sentido crítico e profético. Mal anda a Igreja se não tiver sentido crítico e profético perante o que acontece. É fundamental, num ano com três eleições, que haja sentido crítico. A Conferência Episcopal vai publicar uma nota.

Qual será o teor dessa nota? Os casamentos de homossexuais?

É centrada na crise, mas diz que, ao escolher, um católico deve ter em conta os princípios essenciais duma concepção humanista da qual fazem parte alguns valores. Sabemos que não há um partido quimicamente puro, nem queremos que seja um executor da doutrina da Igreja. Admiramos muito os políticos que são bons políticos e que lutam pelo bem comum da sociedade.

É preciso reabilitar a política em Portugal. Porque com o descrédito dos políticos que a comunicação social também provoca, é necessário reabilitar, precisamos de bons políticos. Com certeza que eles não têm todos os [nossos] princípios, mas há que escolher com consciência quem represente as nossas ideias e valores.

Um católico deve decidir por um partido que aposte no combate à crise e no apoio social ou por um partido que seja contra o casamento entre homossexuais?

À Igreja compete formar a consciência, não dirigir a opinião. A consciência de cada um deve depois tomar as suas decisões.

Não se trata de dizer "não votem neste partido", porque propõe este tema concreto?

De maneira nenhuma, nunca é essa a posição da Igreja, se for sensata.

Tendo em conta o ano eleitoral, haverá a tentação de os partidos se aproximarem das respostas da Igreja. Como é que ela mantém a independência?

A independência é fundamental. Algumas actividades sociais da Igreja [estão] demasiado dependentes do Governo, e isso não é bom. As expressões sociais da Igreja devem [traduzir] a caridade da comunidade. Jesus ensinou-nos isso: que o outro seja o centro da minha vida. Decorre dessa atitude a partilha de bens, o destino universal de bens, a comunhão. Há um trabalho grande de cada comunidade, de fazer pontes com as autarquias e órgãos sociais do Estado, mas numa atitude de maior independência. Não por ser ano de eleições, mas porque deve ser essa a atitude da Igreja.

Igreja tem de evoluir sobre o preservativo

Nos casos do preservativo e dos integristas, falhou a comunicação no Vaticano, diz o bispo auxiliar de Lisboa, que ficou preocupado com a carta que recebeu do Papa.

Afinal, qual é a posição da Igreja sobre o preservativo?

Tem que se ter em conta o domínio dos princípios e da aplicação. O nível ético tem alguma radicalidade, mas exige das pessoas a tensão entre o ideal e aquilo que não conseguem viver. Mas [deve-se] sentir isso como uma falha e não como uma coisa a rectificar porque não se consegue [viver].

É a doutrina comum, de opção pelo mal menor: se o que vou fazer tem como consequência infectar outra pessoa e transmitir alguma doença grave, [o preservativo] é um mal menor. Se alguém não tem capacidade de resistência, deve usar algo que evite aquilo que quer.

Há 40 anos, o Papa Paulo VI criou uma comissão para estudar a contracepção. A opinião maioritária era favorável à abertura aos meios "artificiais". Vingou, por pressão da Cúria, apenas a "natural". Não é altura de a Igreja rever a posição?

Ela tem sido revista pela teologia moral e pela prática da Igreja.

O teólogo Juan Masiá diz que, perante a doutrina sobre o preservativo, não sabe se há-de rir, se há-de chorar. A questão não deveria ser ultrapassada?

Há certamente uma evolução a fazer e na Igreja há tendências diferentes: a Cúria Romana ou uma posição que pode ser mais conservadora, a experiência pastoral dos bispos, que têm que arriscar posições que vão abrindo caminho. Isso é que levará a que possa haver uma doutrina que corresponda mais à vida das pessoas e à mentalidade contemporânea.

Esse trabalho é muitas vezes crucificante para quem está neste terreno cruzado: tem que responder à realidade e à vida das pessoas, e ser fiel a uma posição da Igreja no seu todo.

Antes desta questão, o Papa envolveu-se também na polémica do levantamento da excomunhão a quatro bispos lefebvrianos. Como leu a carta que o Papa escreveu aos bispos?

Devo confessar que fiquei preocupado, denota alguém que se sente quase incompreendido.

Como se faz a unidade com um grupo que não aceita a doutrina do concílio, se essa é uma exigência do Vaticano?

Isso é que me preocupa: se também não haverá dentro da Igreja Católica quem ponha algumas questões ao concílio. O Papa diz, na carta que nos escreveu, que aceitar o [Vaticano II] significa também aceitar os concílios anteriores. E diz que isto não põe de maneira nenhuma o concílio em questão. É essa certeza que também nos faz admirar.

Preocupa-me se não haverá na Igreja Católica quem ponha algumas questões ao Concílio Vaticano II.