7.4.09

Portugal poderá estar na rota do tráfico de crianças iraquianas

por Catarina Guerreiro e Valentina Marcelino, in Diário de Notícias

As autoridades iraquianas denunciaram que Portugal está entre alguns países da Europa para onde estão a ser vendidas crianças através de uma megarrede de tráfico de seres humanos. A PJ e o SEF, que investigam estes crimes, foram surpreendidos pela suspeita, mas adiantaram ao DN que vão averiguar e pedir esclarecimentos às congéneres internacionais.

A Polícia Judiciária vai averiguar as suspeitas de que Portugal é um dos países que está a receber crianças traficadas do Iraque. De acordo com a polícia de investigação iraquiana, todos os meses são vendidas 15 menores daquele país para a Europa e Médio Oriente por preços entre 150 e três mil euros. Umas são para adopção, outras para redes de pedofilia.

De acordo com o coronel Firaz Abdallah, da investigação iraquiana, citado pelo jornal inglês The Guardian, há vários gangues a operar no Iraque que vendem os menores para a Jordânia, Turquia Síria, Irlanda, Reino Unido, Portugal e Suíça.
"Estamos atentos e vamos pedir mais informações às autoridades locais iraquianas e a outras congéneres internacionais", adiantou ao DN Pedro do Carmo, director nacional adjunto da Polícia Judiciária (PJ).

A rede, segundo as autoridades iraquianas, usa intermediários que se fazem passar por elementos de organizações não governamentais para negociarem com as famílias. Todos os documentos de identificação são preparados: certidões de nascimento, mudança de nome e a anexação da criança no passaporte do intermediário que a vai levar para fora do país.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) diz "desconhecer por completo a situação", embora reconheça ter " referência de alguns países europeus, designadamente do Norte da Europa e com particular destaque para a Suécia, onde a imigração com origem no Iraque se tem feito sentir fortemente nos últimos anos, inclusivamente em matéria de asilo e refugiados". No entanto, frisa a porta-voz oficial, "quando se fala de iraquianos, Portugal não tem tradição neste domínio".

Observatório vai analisar casos sinalizados

Segundo o coordenador do plano nacional contra o tráfico de seres humanos, Manuel Albano, em 2008 foram detectadas em Portugal 29 pessoas vítimas destes crimes e nove tinham entre 10 e 20 anos. "Não foram identificadas crianças, apenas adolescentes", explicou ao DN este responsável, referindo a maioria dos casos diz respeito a exploração sexual.

No entanto, Victor Santos Coelho do Observatório de Tráfico de Seres Humanos - entidade oficial que monitoriza estas redes - adianta que, perante as suspeitas em causa, vai consultar todos os processos que tem no seu gabinete para confirmar se algum se enquadra nesta situação.

A investigação no Iraque está a ser difícil. "A corrupção em muitos departamentos do Governo torna o nosso trabalho complicado porque quando as crianças chegam ao aeroporto ou à fronteira tudo parece estar legalizado e é difícil mantê-las dentro do país se não tivermos provas fortes de que as crianças estão a ser traficadas", afirmou ao The Guardian Firaz Abdallah.

Em Portugal, este tipo de tráfico só teve enquadramento legal na revisão do Código Penal de 2007. O único caso de venda de crianças estrangeiras detectado pela PJ ocorreu em 2004.

Aliás, Manuel Coutinho do Instituto de Apoio à Criança lembra que muitas pessoas não sabem que adoptar menores exige um processo legal. "Quando aconteceu o Tsunami na Indonésia, Sri Lanka e Tailândia, muitas pessoas queriam adoptar os órfãos, que eram aos milhares, mas isso não é possível."