Ana Rute Silva, in Jornal Público
Pela primeira vez desde 2005 o sector privado não superou os aumentos médios dos salários dos trabalhadores do Estado
O sector privado não foi além dos dois por cento nos aumentos salariais em 2009 e, pela primeira vez nos últimos quatro anos, a função pública conseguiu ultrapassar as empresas nas actualizações de remuneração.
Segundo dados preliminares do Total Compensation, um estudo salarial da consultora de recursos humanos Mercer, o aumento médio praticado situa-se nos dois por cento, mas é possível que seja revisto em baixa. "De qualquer forma estaremos sempre a falar de um valor que rondará um por cento abaixo do incremento da função pública, que serve de referencial mínimo para os aumentos salariais", disse Diogo Alarcão, responsável pela Mercer em Portugal.
Na revisão anual das remunerações do Estado foi aprovada uma subida de 2,9 por cento nos ordenados, a maior desde 2005.
Desde essa data, o sector privado tem tido sempre uma vantagem média de aumentos na ordem dos 1,4 por cento, mas o ano da recessão mundial também ficará marcado pela inversão desta tendência. O mercado tem vindo a superar as tímidas revisões salariais do Governo (que têm como meta o equilíbrio do défice orçamental); contudo, as empresas estão a "adoptar políticas de contenção quanto à estrutura salarial e aos custos com o factor trabalho", referiu Diogo Alarcão.
Tendo em conta os dados provisórios do estudo, esta é também a primeira vez que o sector privado põe um travão nos aumentos. Os trabalhadores, de todas as funções hierárquicas, sofreram as actualizações mais pequenas dos últimos anos. Em 2005 os aumentos médios situaram-se nos 3,3 por cento e o mesmo sucedeu em 2006. Há dois anos, os trabalhadores foram aumentados em 3,2 por cento. Em 2008 conseguiram ver o ordenado subir 3,4 por cento. Este ano, considerando o dado provisório de dois por cento, confirma-se uma quebra de 41 por cento de subida de remuneração face ao ano passado.
Nos anos em análise houve aumentos constantes, superiores aos valores praticados pelo Estado, mas a situação financeira mundial travou a tendência. "Devido à conjuntura económica no segundo semestre de 2008 já se esperava um decréscimo acentuado dos incrementos salariais", considerou o responsável da Mercer.
Com a inflação média estimada a cair 0,2 por cento (previsões do Banco de Portugal), o poder de compra dos funcionários do Estado aumentou em tempo de crise. E são eles quem mais vai beneficiar com a queda de preços. Apesar dos apelos de reduções salariais, os números mostram que as empresas optaram pela prudência. Em Março, mês em que tradicionalmente se revêem as tabelas salariais, não houve cortes generalizados na compensação base e mesmo as que congelaram ordenados assumiram excepções em colaboradores-chave. Diogo Alarcão adiantou que a tendência é para "premiar os elementos com melhor desempenho" para não perder competitividade.
As áreas de tecnologia e as seguradoras foram as que praticaram aumentos mais expressivos, ao contrário do sector industrial e da distribuição que decidiram propor subidas de remuneração mais baixas.
As estimativas da Comissão Europeia apontam para uma queda de 0,4 por cento dos salários reais em Portugal e mostram que nos últimos 30 anos esta será a quarta vez em que esta queda se regista.