Carlos Dias, in Jornal Público
Este flagelo social permanece como um grave problema de saúde pública na região
e que surge frequentemente associado "à pobreza, à ignorância e à exclusão social"
Com a chegada do novo milénio, os comportamentos suicidas em Portugal poderão estar a sofrer uma alteração, e para pior, assim se apurou nas conclusões extraídas de um seminário subordinado ao tema, realizado em Beja no final de Abril, promovido pelo núcleo distrital de Beja da Rede Europeia Anti-Pobreza.
A comprovar a mudança estão os dados relativos a 2002 e 2003 a nível nacional, que subiram de 5/6 para 12 atentados à própria vida consumados por cada 100 mil habitantes, sem que seja ainda possível aferir se existe uma "tendência estabelecida de crescimento", ressalva José Henrique Santos, psiquiatra que integra o Departamento de Psiquiatria da Unidade Saúde Local do Baixo Alentejo.
Mas se os dados nacionais forem comparados com os registados no Baixo Alentejo, a região do país que tradicionalmente apresenta uma prevalência de suicídios das mais altas da Europa, surge mais um dado novo: o número de casos "é um pouco mais baixo" que os levantamentos feitos em anos anteriores, realçou Henrique Santos. Esta constatação pode significar que "não há crescimento sustentado, pelo menos nos últimos anos, nas taxas de suicídio" no Alentejo, mas serão necessários mais dados, para se confirmar se há ou não uma redução de actos de morte violenta.
Apesar desta pequena descida, os valores registados no Baixo Alentejo persistem elevados . Em 2008, prossegue Henrique Santos, foram contabilizadas "47 mortes por 100 mil habitantes, menos 11 que em 2007", números que colocam a região no quinto lugar a nível europeu, um triste ranking, que é liderado pela Lituânia, com 77 mortes.
Dados divulgados pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS) referem que de 1998 a 2008 e no Baixo Alentejo, a média anual de suicídios foi de 53 casos. Contudo, o concelho de Odemira detém uma das maiores taxas de suicídios a nível mundial. Em 2007 foram contabilizadas 61 mortes por cada 100 mil habitantes, com o epicentro a situar-se na freguesia de Sabóia, com um dos maiores índices de suicídio em todo o mundo.
Em 1997, Mário Jorge Santos, médico de saúde pública e membro da SPS, contou no seminário uma história verídica para vincar como é difícil tecer juízos de valor sobre as causas que conduzem ao suicídio. Quando prestava serviço em Odemira foi surpreendido, em Sabóia, com uma estranha ocorrência: fora chamado a confirmar o óbito de uma mulher que se tinha suicidado. Quando chegou ao local ficou perplexo com o que viu. A suicida tinha 93 anos e conseguira enforcar--se. "Conclui na altura que a senhora tinha revelado uma força extraordinária, física e mental, para morrer", o que o deixou "sensibilizado", pelo que desde então procura perceber o que leva as pessoas ao suicídio.
Jorge Santos classifica este acto, sobretudo na terceira idade, como um grave problema de saúde pública, que afecta pessoas marcadas por "desespero extraordinário, e que revelam evidente incapacidade para superar os problemas" que as dominam e subjugam por completo. Este médico, especialista em saúde pública, associa os comportamentos suicidários "à pobreza, à ignorância e à exclusão", imputando as causas a "um mundo individualista, onde se premeiam os rankings e a avaliação individual".
As barreiras no acesso ao serviço de saúde são outro factor de risco, por terem um efeito dissuasor sobre os mais pobres", aponta Jorge Santos, referindo que esta questão "foi estudada pelo professor Correia de Campos, docente na Escola Nacional de Saúde".
O desemprego também está "directamente relacionado" com a depressão que pode conduzir ao suicídio. Os dados estatísticos apontam que, quando aumenta o desemprego, aumentam os suicídios. "Estamos num momento de crise e devemos estar muito atentos e interventivos", alerta o médico.