Natália Faria, in Jornal Público
Quem tem hoje entre 18 e 23 anos sente-se europeu, mas pouco ou nada sabe sobre a dimensão política da UE. Votar hoje é algo sem sentido
A Têm a Europa sem fronteiras como um dado adquirido. Estudam no estrangeiro ao abrigo de programas como o Erasmus. São licenciados e preparam-se para gastar anos em pós-graduações. As perspectivas de emprego, porém, são quase nulas. Por isso, a maioria prepara-se para ficar em casa dos pais até depois dos 30. Enquanto isso, comunicam por SMS e pelo Facebook, viajam em low cost, usufruem de uma liberdade sexual sem precedentes.
Eis o retrato à la minuta da geração pós-integração de Portugal na União Europeia (UE), em 1986. Para estes 2,8 milhões de portugueses com menos de 24 anos, ouvir os GNR cantar Portugal na CEE soa a anacronismo irresolúvel. Não questionam a existência da UE nem da democracia, mas não acreditam nas instituições que as representam, nem nos políticos ao ponto de irem votar. Nas eleições de 2004, quase 77 por cento dos jovens europeus entre os 18 e os 24 anos abstiveram-se, segundo dados da Comissão Europeia.
Este ano, e em Portugal, a abstenção entre os jovens vai voltar a situar-
-se acima dos 70 por cento, nas previsões do sociólogo Manuel Villaverde Cabral. "É o amor com amor se paga", resume o investigador. "Os governos interessam-se pouco pelos jovens e os jovens retribuem o desinteresse."
Contra a maré da abstenção, Diogo Cunha vai estrear-se hoje nas urnas. Nasceu em 1986 e nunca se tinha dado ao trabalho de se recensear. Desta vez, o processo foi automático e até lhe mandaram um SMS a dizer onde tinha que ir votar. "É mesmo ao pé da minha casa. Nunca tive paciência para ir a uma junta de freguesia recensear-me, mas já que fizeram o trabalho por mim", justifica este estudante de Gestão de Marketing. Sabe quem é o presidente da Comissão Europeia porque calhou estudar com o filho dele, mas assume que desconhece os nomes dos cabeças de lista nas eleições de hoje. "Há o Vitalino... Vital qualquer coisa... O PSD desconheço quem está à frente, a CDU idem, os azuis [CDS/PP], idem, idem", titubeia. E como vai decidir em quem votar? "Vou ter que ver os 15 minutos secantes de tempo de antena pelo menos uma vez", adiantou, na conversa telefónica que manteve com o PÚBLICO na quinta à tarde.
O alheamento de Diogo, e de tantos milhares como ele, das eleições não traduz um desapego europeísta. Aliás, para quem nasceu antes de 1986, a inexistência de fronteiras dentro do espaço europeu é tão natural como respirar. E mesmo para quem nasceu antes. Marta Sousa, bolseira de doutoramento, tem 35 anos e uma vida toda marcada pela circulação europeia. "Fiz o meu Erasmus em Barcelona, em 1995, e, em 2000, decidi fazer o mestrado em Edimburgo. O meu marido é alemão e foi-me apresentado por uma amiga que conheci em Madrid e que o tinha conhecido a ele durante um curso na Palestina." Marta e Volker casaram-se, tiveram um filho, que tem dupla nacionalidade, e, apesar de residir oficialmente em Portugal, Marta tem passado os seus dias na Alemanha, na fase final do seu doutoramento sobre baldios e risco de incêndio.
"Mesmo que as instituições europeias falissem", vaticina Marta, "o entrosamento entre os países tornou-se irreversível, nomeadamente ao nível das redes europeias de estudo."
Um sinal disso: desde 1987, mais de 45.300 estudantes portugueses estudaram lá fora ao abrigo dos programas de intercâmbio financiados pela UE (ver texto nas páginas seguintes). A diferença é que a geração de Marta tem consciência que há um antes e um depois da integração de Portugal na UE. A geração com 23 anos e menos nem por isso. E não são poucos. De acordo com as estatísticas do INE, a população com idades entre os 15 os 24 anos é superior a 1,2 milhões. Se adicionarmos as crianças e jovens até aos 14 anos, temos mais 1,6 milhões. Tudo somado, os portugueses nascidos no pós-integração na UE perfazem os referidos 2,8 milhões, ou seja, 26,9 por cento da população total.
Desconfiados dos políticos
Quando olha para este estrato da população, Elísio Estanque, do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, não vê jovens eurocépticos, mas apenas "jovens desconfiados e descrentes relativamente à classe política que temos". Estanque considera, aliás, que a mobilidade estudantil criou nos jovens pós-integração na UE "um sentido de identidade europeia que se tem vindo a reforçar". Villaverde Cabral também vê jovens "integradíssimos" na Europa. "O que não estão é integrados na Europa dos partidos, nem na Europa política propriamente dita", reforça, fazendo questão de varrer as culpas para os ombros dos políticos. "Os jovens não se interessam pela política, porque a política não se interessa por eles", reitera, considerando que nem as juventudes partidárias, porque dogmáticas e fechadas, conseguem penetrar nas actuais redes de sociabilidade dos jovens.
No primeiro relatório da UE sobre a juventude, divulgado em Abril, lia-se que dos 96 milhões de jovens entre os 15 e os 29 anos residentes na UE apenas quatro por cento declararam ter participado em actividades de partidos políticos ou sindicatos. Curiosamente, 49 por cento declararam ser membros de um clube desportivo.
Exceptuando a participação em organizações do tipo recreativo, a maioria dos jovens, na UE como em Portugal, vive "desinteressada da vida colectiva e fechada sobre si mesma", observa ainda Estanque. "Há quem diga que o futuro deixou de ser dos jovens. Enquanto as gerações anteriores investiam e lutavam porque tinham a expectativa realista de daí a meia dúzia de anos entrarem no mercado de trabalho, os jovens de agora o que têm pela frente é uma enorme dose de incerteza."
Nos jovens até aos 23 anos, o desemprego atinge os 13,5 por cento, contra 8,9 por cento da população em geral, segundo o INE. No rol dos mais de 495 mil desempregados, 50,3 mil têm diploma universitário. Um levantamento do Eurostat relativo a 2007 mostrava que, em Portugal, a percentagem de jovens entre os 15 e os 24 anos em empregos temporários era superior a 70 por cento. Na Alemanha a percentagem não chegava aos 10 por cento.
Diogo Cunha, que trabalha numa multinacional a recibos verdes ao mesmo tempo que estuda, não tem esperança, por enquanto, de qualquer possibilidade de emprego estável. Por isso, fez marcha-atrás no seu projecto de emancipação e, depois de ter vivido só, voltou para casa dos pais. "Tive saudades... daquelas que se sentem na carteira", assume. "Além do bem-estar emocional, alimento-me melhor e sempre poupo uns euros. Será que sou geração rasca?"
20%
da população europeia é constituída por jovens. Em 2050 as projecções situam esta percentagem na ordem dos 15%
63%
dos jovens com menos de 29 anos dizem acreditar no Parlamento Europeu
4%
dos jovens europeus declaram ter participado em actividades de partidos políticos ou de sindicatos