Ana Cristina Pereira, em Budapeste
Estudo em 15 países da UE financiado pela Comissão Europeia foi ontem apresentado
na Hungria. Problema "é significativo" em todos eles, concluem responsáveis europeus
Invisibilidade é a palavra-chave quando se quer caracterizar a pobreza rural, conclui um estudo feito em 15 países da União Europeia e ontem apresentado em Budapeste. O problema "é significativo". Em Portugal, por exemplo, o risco de pobreza duplica nas zonas rurais.
A coordenadora do estudo, Paola Bertolini, da Fondazione Brodolini, usou três vezes a palavra invisibilidade na conferência organizada pela Comissão Europeia sobre o combate à pobreza em meio rural. Primeiro, os pobres rurais pouco aparecem nas estatísticas oficinais. Segundo, "estão menos organizados do que os das zonas urbanas por causa da dispersão geográfica, por estarem longe dos centros económicos e políticos". Terceiro, subsistem estereótipos como "o apoio da família e da comunidade é mais forte nas zonas rurais do que nas urbanas, o que torna os serviços menos necessários".
Os dados não permitiram fazer uma análise de toda a União. Apenas alguns Estados-membros tinham estudado a distinção entre zonas rurais e urbanas. Em anos diferentes. E, nalguns casos, com metodologias diversas. Os dados de Portugal, por exemplo, reportam a 2000.
É no Leste que o fosso entre campo e cidade é mais fundo. No Leste, pesa mais a agricultura. No Ocidente, o isolamento.
Nos países ocidentais, assiste-se há muito à "urbanização" (fluxo campo-cidade) e há pouco à "contra-urbanização" (fluxo cidade-zonas rurais com bons acessos). Nos países orientais, sobretudo na Bulgária, Polónia e Roménia, o êxodo rural é agora "muito relevante".
A importância da escola
A concentração de serviços básicos nas zonas urbanas afecta a qualidade de vida de quem está em risco: as crianças, os idosos, as mulheres. As maiores distâncias a um hospital foram detectadas no Norte da Noruega, no Norte da Escócia, no Sul de Itália, nas ilhas gregas, no Leste da Polónia e na Roménia, indica o estudo financiado pela Comissão Europeia.
Os investigadores chamam a atenção para a importância da frequência escolar nos primeiros anos de vida "como modo de compensar o desigual contexto familiar e social". Como falha a cobertura pré-escolar, "há maior risco de transmissão intergeracional de pobreza".
O problema coloca-se noutros níveis de ensino. Com a redução de escolas em meio rural, relacionada com a estratégia de as agrupar, o ensino básico e secundário ficou mais distante. Os alunos gastam mais energia e as famílias mais dinheiro. A frequência do secundário acaba por ser inferior.
Paola Bertolini usa a expressão "armadilha": "A única janela aberta a crianças e jovens de famílias pobres e pobremente educadas é sair: enfrentar a mobilidade geográfica como forma de mobilidade social". E isto leva ao envelhecimento das populações e a um declínio económico.
Estratégia de sobrevivência
Abre-se aqui um ciclo vicioso: "Baixo nível de educação rural provoca baixa taxa de empregabilidade, o que aumenta a pobreza, o que reduz as hipóteses de se receber um nível de educação elevado". E abre-se outro ciclo: pobres oportunidades de emprego forçam trabalhadores qualificados e migrar; uma força laboral desqualificada não chama investimento capaz de criar oportunidades de emprego. E abre-se outro ciclo: poucos jovens, muitos idosos, poucos nascimentos, reduzida densidade, má performance económica...
A agricultura ainda emprega muita gente. Mas a actividade é sazonal, os rendimentos diminutos e anunciam pensões baixas na idade da reforma. Na Polónia, na Bulgária e na Roménia o problema agrava-se com a transformação da agricultura estatal em agricultura privada.
O capítulo dedicado a Portugal debruça-se sobre a situação de quem vive da agricultura. "O risco de marginalização é determinado pela combinação de um significativo número de quintas com pouca rentabilidade e [...] de agricultores perto da idade da reforma", lê-se. O trabalho assinado por Florindo Ramos salienta, ainda assim, que o desemprego nas zonas rurais está "ligeiramente abaixo" da média nacional. Um dado que a coordenadora do Plano Nacional para a Inclusão, Fernanda Rodrigues, relaciona com a "dinâmica criada". "Nas zonas urbanas, as pessoas são mais complacentes com o desemprego de longa duração", nota. Nas zonas rurais, "a estratégia de sobrevivência é maior". Mais depressa a pessoa sai, vai para onde há emprego.
Nos meios rurais, as pessoas recorrem menos a medidas de apoio social como o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o Complemento Solidário para Idosos (CSI) - tendem a não se assumir como pobres por causa do estigma que se abateria sobre elas. Mas não é só isso. Por vezes, a informação nem lhes chega. Portugal está já a aumentar a rede de postos de informação.
a Jérôme Vignon, da Direcção-Geral de Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades da Comissão Europeia, acha que é preciso tirar ilações do que disseram os europeus nas eleições de domingo último e do estudo sobre pobreza em meio rural ontem apresentado em Budapeste. Uma delas é: "Temos de nos concentrar no 'trabalho inacabado' de combate à exclusão social. Políticas de inclusão carecem de políticas integradas. Temos de reforçar a coordenação".
As áreas rurais cobrem cerca de 59 por cento do espaço comunitário. E "têm sido negligenciadas". A Política de Coesão e a Política Agrícola Comum são as que mais podem contribuir para a redução da pobreza nessas zonas. Embora não se ocupem de questões específicas para a inclusão social, promovem infra-estruturas e emprego em áreas como o turismo.
Discute-se muito a disparidade entre países, recordou Vignon. Não há apenas disparidades entre países ou regiões, também as há dentro das regiões. O problema é que as zonas rurais mais pobres não conseguem pedir apoios à UE por não terem meios para co-financiar projectos, disse num pequeno encontro com jornalistas. E isso "tem de ser repensado". "Apenas um Estado-membro apresentou a sua política de combate à pobreza rural no contexto dos relatórios de estratégia nacional de 2008", assinalou Vignon. Qual? Precisamente a Hungria.
Estava no estudo. O capítulo sobre Portugal arranca com uma frase sobre a ausência de qualquer referência directa às zonas rurais no Relatório da Estratégia para a Inclusão Social. A directora do Plano Nacional para a Inclusão desdramatiza.
"O plano tem uma série de medidas que permitem dar uma atenção diferente às zonas rurais", reagiu Fernanda Rodrigues. Refere-se aos contratos locais de desenvolvimento social, às redes sociais, às plataformas concelhias: "Estes programas deslocam-se de uma perspectiva sectorial ou de grupo para uma perspectiva de território". A.C.P.
Fernanda Rodrigues confia que o Plano para a Inclusão dá resposta aos problemas das zonas rurais do país.