3.7.09

A economia sustentável sai vencedora?

Célia Marques, in Leiria Económica

A adopção da consciência colectiva no mundo dos negócios traduz-se em empresas mais éticas, colaboradores mais produtivos, concorrência mais leal e recursos naturais explorados de forma equilibrada. Desembocamos, em conceitos como sustentabilidade económica e responsabilidade social empresarial, pilares tidos como fundamentais na nova ordem económica e social.

O agente económico que atende a estes conceitos, preocupa-se com impacto que as suas acções têm no “quintal do vizinho”, na sociedade, nos colaboradores, no ambiente. Está ciente que os efeitos negativos se repercutirão em si próprio, resultado da interdepência de todas as áreas e fenómenos. Sabe que a visão de conjunto é uma ferramenta essencial para “esculpir” um mundo mais justo e equilibrado.

No supra citado “O Ponto de Mutação”, Capra explica que a visão fragmentada promove a competição, desde logo nas escolas, a procura do lucro a qualquer custo e do crescimento pelo crescimento, enquanto a visão de conjunto estimula a cooperação e o crescimento sustentado, com respeito pela natureza, recursos humanos e ética nos negócios.

«Acredito que deveria haver lugar a uma mudança de valores nas empresas. Por exemplo, que o sucesso não pode ser alcançado por manipulação de resultados e de informação, nem por especulação, nem à custa de qualquer dos stakeholders das empresas, como os trabalhadores, ou os accionistas. Podemos enganar alguns durante todo o tempo, enganar a todos, durante algum tempo, mas é impossível enganar a todos durante todo o tempo», sustenta Paulo Morgado, quando questionado sobre as mudanças que a crise poderá despoletar no seio das empresas.

«Aquilo que se notou é que as entidades com gestão mais cautelosa – não no sentido de conservadora – têm hoje menos problemas, e a economia sustentável não é mais do que ter atenção aos outros agentes económicos. É uma oportunidade que se nos oferece», reforça Francisco Mendes Palma, director da Espírito Santo Research.

Sectores com futuro

Dando seguimento à tese que defende o imperativo de adoptar uma visão mais holística do mundo, os sectores com futuro seriam todos os que não perdem de vista conceitos de sustentabilidade económica e que, mais do que responder aos ímpetos do consumo desenfreado, servem as pessoas e atentam à sobrevivência do Planeta.

«Terão futuro todos os sectores sem os quais nunca poderemos fazer a nossa vida, como a banca, as utilities e a distribuição, entre outros, mas também aqueles de que dependerá, inquestionavelmente, o desenvolvimento do planeta, como as tecnologias de informação e comunicação, as energias alternativas e a biotecnologia», enumera o presidente da Capgemini.

«A crise foi também uma lição ao consumismo», sustenta Armindo Monteiro. «A ideia de gastar mais do que se tem requer bom senso. Temos vindo sempre a melhorar de vida, ao longo de gerações, mas hoje sabemos que os nossos filhos podem vir a viver pior que nós, e isso obriga-nos a ajustar expectativas, que são decrescentes pela primeira vez», adverte. Em consequência, «não se compram automóveis, não se investe, não se muda de casa, e isso multiplicado por muitos tem um efeito tremendo», salienta o presidente da ANJE.

Armindo Monteiro acredita no futuro de áreas relacionadas com o empreendedorismo de base tecnológica, iniciativas empresariais de elevado perfil tecnológico e resultantes de actividades de inovação, investigação e desenvolvimento, domínio onde se inserem as áreas das TICE, do software, dos instrumentos de comunicação e orientação, dos equipamentos electrónicos, da biotecnologia, das soluções de automação e robótica, dos programas de ecoeficiência e das indústrias criativas.

«Se há coisas que fazemos bem, não devemos deixar de as fazer. Não existem sectores excluídos, da mesma forma que nenhum é milagroso». É assim que Francisco Mendes Palma, director da Espírito Santo Research, dá início à conversa sobre a temática dos sectores onde se abrem oportunidades.

Segundo o responsável, os sectores que já têm um elevado índice de exportações, e que muitas vezes coincidem com os sectores tradicionais, devem agora procurar mercados alternativos, para amortecer o impacto da redução da procura. Francisco Mendes Palma faz ainda referência às energias renováveis, relembrando as implicações positivas noutras indústrias, como a metalomecânica, fibra óptica e engenharia, para além dos efeitos em termos de eficiência energética, redução da dependência do petróleo e das emissões de CO2.

Para o analista de Research do Banco Big, a elevada incerteza sobre a crise financeira torna difícil antecipar sectores que terão indiscutivelmente futuro a longo prazo. «Assiste-se a uma retracção e adiamento do investimento, nomeadamente em sectores que envolvem níveis significativos de CAPEX (investimento em equipamentos), como as energias renováveis, o que eleva o perfil de risco deste tipo de empresas, ainda que o seu potencial a longo-prazo permaneça intacto», explica.

Profissões e aptidões com mais procura

Também o mercado de trabalho se ajusta a novos pressupostos. Segundo as consultoras Patrícia Rodrigues e Sara Sousa, do Grupo Egor, continua a registar-se maior procura de funções na área comercial, sobretudo ligadas ao mercado externo e marketing, notando-se ainda um acréscimo em engenharia, nos domínios da electrónica, electrotécnica e mecânica. Resultado da preocupação emergente com questões ambientais e de segurança, regista-se ainda um aumento significativo de pedidos de técnicos com experiência e formação nesta área.

As consultoras destacam o optimismo do sector das energias renováveis e alternativas, com a maioria das empresas, segundo um estudo recente, a demonstrar intenção de aumentar significativamente o seu capital humano. Os serviços relacionados com a hotelaria, a restauração e o comércio têm também aumentado a procura, sobretudo numa perspectiva de crescimento qualitativa.

Actualmente as empresas admitem valorizar sobretudo competências de comunicação/negociação, relacionamento interpessoal, iniciativa e tomada de decisão, assim como a proactividade, resiliência e criatividade. Talentos humanos capazes de pensar, interpretar, raciocinar e agir em prol do sucesso colectivo da organização.

A economia social no combate à pobreza

Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank (o banco do microcrédito) e Nobel da Paz em 2006, acredita nos negócios sociais como forma de combater a pobreza. Trata-se de um novo modelo de negócio, assente na venda de produtos a preços que o tornam auto-sustentável, mas que não paga dividendos. O lucro fica retido na empresa, para financiar a sua expansão, criar novos produtos ou serviços e «multiplicar o bem no mundo». O objectivo continua a ser o de fazer dinheiro, mas para resolver problemas. Aproveitar o poder e utilidade do mercado livre para combater a pobreza e degradação ambiental.

O fundador do microcrédito canaliza sobretudo para a iniciativa privada a responsabilidade – e o poder – de reduzir os níveis de pobreza, ao mesmo tempo que explica porque é que a caridade, as ONG, os governos e mesmo a responsabilidade social se têm revelado ineficazes naquele contexto.

Segundo Yunus, mais do que preocuparmo-nos com a saúde, educação e oportunidades de emprego dos pobres, é preciso perceber que podem ser empresários individuais e criar emprego para outros pobres: É este o principio do microcrédito que está a contribuir para o cumprimento do objectivo de reduzir para metade (até 2015) a pobreza no Bangladesh, país onde o número de habitantes por quilómetro quadrado excede o que resultaria do encaixe da população mundial no território dos Estados Unidos.

Para além do Grameen Bank (o banco do microcrédito), Muhammad Yunus aplicou a lógica dos negócios sociais em organizações como a Grameen Agriculture e Grameen Energy.