Por Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Aprendemos que o euro não chega para salvar o país das crises
Há duas alternativas para o futuro: ou a organização da zona euro muda, avançando para uma união mais forte, ou Portugal terá de se desenvolver pelos seus próprios meios. Mas, em 2002, já sabíamos que o crédito fácil não chegava para crescermos.
O Portugal do euro afinal também tem crises parecidas ao Portugal do escudo. Quando a economia nacional conseguiu, em 1999, ser uma das onze fundadoras da moeda única europeia, poucos eram os que acreditavam que o país voltasse a ter de enfrentar, como tinha acontecido por exemplo em 1983, uma crise grave de financiamento externo, em que apenas o recurso a ajudas externas permite resolver a situação. No entanto é isso que agora está de novo a acontecer.
Desde 1999 até agora, os portugueses foram aprendendo muitas coisas sobre o euro. As primeiras foram as mais fáceis. Com a moeda única veio o fim do risco de desvalorização cambial, que tinha empurrado a economia para várias crises graves no passado. Por isso, os portugueses puderam começar a aceder, de forma bastante fácil e barata, ao financiamento externo. Os bancos e o Estado pediram dinheiro aos investidores estrangeiros e estes, porque Portugal já tinha o euro e não o escudo, passaram a conceder crédito a taxas apenas ligeiramente superiores ao que faziam às grandes economias europeias como a Alemanha ou a França. Com taxas tão baixas, muitas vezes inferiores à taxa de inflação, o crédito passou a ser o motor da economia portuguesa, com os particulares a pedirem empréstimos para a compra de casa e carro e as empresas para investirem. Nos últimos anos da década de 90 e no início do novo milénio todos, incluindo o Estado, aproveitaram o crédito fácil e barato para gastar mais e a economia cresceu rapidamente.
Por volta de 2002, começou-se a perceber que não era possível, mesmo com o euro, crescer apenas à base do crédito e que, se não se fizesse nada de produtivo com o dinheiro emprestado, a uma certa altura a economia estagnava. Em 2003, o país entrou em recessão. As famílias já tinham um endividamento que superava os 100 por cento do seu rendimento disponível. As empresas eram as mais endividadas da Europa. E assim, apesar de o crédito continuar barato e atractivo, não tinham mesmo espaço de manobra para pedir mais empréstimos, reduzindo o ritmo de crescimento do consumo. Ao mesmo tempo, o Estado, para cumprir a regra dos três por cento do défice imposta por Bruxelas, também cortou na despesa e no investimento.
Nos anos seguintes, o crescimento, quando surgiu, foi sempre lento e abaixo da média europeia. Ao fim de poucos anos de euro, com o impulso do crédito barato esgotado e com o país a perder quota de mercado nos produtos de mão-de-obra intensiva para as economias asiáticas, a estagnação económica passou a ser um cenário difícil de evitar.
Ainda assim, nos mercados internacionais continuava a ver-se Portugal apenas como mais uma região do euro. As agências de rating atribuíam classificações elevadas ao país e o financiamento a custo baixo continuava a ser fornecido sem stress ao Estado e aos bancos nacionais. A moeda única não garantia que a economia crescesse, mas continuava a evitar uma crise de falta de financiamento de grande dimensão.
Essa última ilusão esfumou-se com a crise financeira internacional dos últimos anos. Para salvar o sistema bancário e evitar um colapso das economias, os Estados de todo o mundo fizeram disparar os seus défices. As necessidades de financiamento do sector público atingiram recordes no mundo desenvolvido e os mercados, com menos liquidez entre mãos e com tantos Governos a pedir tanto dinheiro ao mesmo tempo, começaram a ser mais criteriosos em relação a quem emprestam o seu dinheiro. Mesmo dentro da zona euro.
Primeiro viram as contas erradas da Grécia e, depois, viraram-se para os outros países que apresentavam níveis de endividamento mais altos e potenciais de crescimento mais baixos, como Portugal. E foi assim que, de forma repentina, o país se vê agora a braços com uma situação em que os bancos estão dependentes do Banco Central Europeu para obter financiamento no exterior e o Estado corre o risco de ter de recorrer ao fundo de emergência criado pela zona euro e pelo Fundo Monetário Internacional.
Portugal, que desde 2003 estava, de forma lenta mas progressiva, a tentar corrigir dos excessos registados no momento da entrada no euro, vê-se agora na iminência de ter de fazer tudo atabalhoadamente e de uma vez só.
Vítor Constâncio, governador do Banco de Portugal durante a maior parte do tempo desde a criação do euro e um dos que foram surpreendidos por esta súbita fragilidade de Portugal na zona euro, explicou o que sucedeu num discurso efectuado em Lisboa aos seus parceiros do BCE: "Era suposto a união monetária dar-nos tempo para um processo gradual de reequilíbrio. A crise financeira interrompeu esse processo (...), agora temos de fazer um ajustamento mais abrupto, mais rápido e mais severo."
Aprendemos esta década que aquilo que o euro é suposto dar-nos pode não se concretizar e que ou a forma como a zona euro está organizada muda, avançando para uma união ainda mais forte, ou a economia portuguesa tem de encontrar, sem receitas mágicas e por si própria, uma forma de crescer e desenvolver-se.