Por Margarida Gomes, in Jornal Público
Documento ontem apresentado na Assembleia da República pelo presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência permite leituras diferentes para os mesmos problemas
Em Portugal morreram em 2009 menos 40 pessoas por uso excessivo de drogas do que no ano transacto. A informação consta do relatório anual do Instituo da Droga e Toxicodependência (IDT), que ontem foi apresentado na Assembleia da República, segundo o qual em 2009 morreram um total de 54 pessoas, enquanto no ano anterior esse valor foi bastante superior: 94. Na base desta informação estão dados do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML). 2009 foi o ano em que pela primeira vez foi possível apurar se a causa da morte se deveu a overdose de drogas.
Assim, de acordo com os números fornecidos pelo INML, das 6814 autópsias realizadas em 2009, foram efectuados exames toxicológicos em 2948 casos, tendo-se registado resultados positivos para a presença de substâncias ilícitas ou outras em 269 óbitos. Desse total, a causa de morte foi atribuída a overdose em 28 por cento dos casos, Mas convém ter em conta que só 72 por cento dos casos com resultados toxicológicos positivos dispõem de informação sobre a causa de morte, ou seja, nas restantes situações foi constatada a presença de substâncias que poderão não estar directamente associadas à morte.
Já em 2008, das 5936 autópsias realizadas, foram pedidos exames toxicológicos em relação a 2805 pessoas, tendo-se registado resultados positivos para a presença de substâncias ilícitas ou outras em 320 casos. E dos 82 por cento dos resultados dos exames toxicológicos positivos que contêm informação sobre a causa de morte, apenas em 36 por cento foi atribuída a overdose. Nos óbitos que estão associados a overdose, o IDT informa que predomina a morte por excesso de opiáceos (heroína, morfina e codeína), logo seguidos da cocaína e metadona. As metanfetaminas foram responsáveis por um único caso de overdose em 2008 e nenhum caso o ano passado.
Estes são os números que o relatório Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência avança a partir da informação proveniente do INML. No entanto, o documento contém também informação retirada das estatísticas nacionais da mortalidade do Instituto Nacional de Estatística (INE), que demonstra que, desde 2006, se assiste a um aumento do número de mortes causadas por dependência de drogas.
Assim e de acordo com estes indicadores (que seguem o critério da Lista Sucinta Europeia), ocorreram 19 mortes causadas por dependência de drogas em 2009, um acréscimo de 19 por cento comparativamente a 2008. Já segundo um outro critério, desta feita o protocolo do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, em 2009, os óbitos relacionados com o consumo de drogas foram 27, o que representa um acréscimo de 35 por cento face ao ano anterior. Ou seja, conforme assinalava ontem ao PÚBLICO José Queiroz, um técnico na área da psicologia e dos comportamentos desviantes e coordenador da Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), uma ONG da sociedade civil que desenvolve vários projectos na área da exclusão, designadamente no âmbito do fenómeno da droga, o relatório apresenta "fontes de recolha de informação dos mais diferentes níveis que são díspares e usam critérios de recolha e definição de overdose, diversos entre si.
Este especialista atribuiu uma maior credibilidade ao INML que, frisou, "tem o cuidado de utilizar uma malha fina de critérios, classificando a morte por overdose quando esta realmente está associada a uma ingestão excessiva de uma ou mais substâncias psicoactivas que foi causa directa e principal da morte do indivíduo". Assinalando que os dados apresentados só remontam até ao mês de Setembro de 2009, o que quer dizer que faltam apurar os números correspondentes aos óbitos de Outubro a Dezembro, José Queiroz sublinha ainda que apesar de o número de overdoses ser menor do que no ano anterior, "não deixa de ser um número preocupante".
É também de preocupação que fala o deputado do BE, João Semedo. "Há uma descida de mortes por overdose, é certo, mas os números revelam que há um óbito devido ao uso excessivo de drogas por semana, o que é preocupante", disse ao PÚBLICO João Semedo, que dá nota da duplicidade de fontes que sustentam o relatório. "Devemos privilegiar os indicadores avançados pelo INML, porque a informação é feita com base em estudos toxicológicos específicos, diferenciados e mais rigorosos".
Aliás, Semedo chama a atenção para outras leituras contraditórias do relatório anual do IDT, nomeadamente a nível dos consumos de heroína. "Ao longo da vida, o consumo de heroína na população geral aumentou, mas mantém-se estável nos jovens adultos. Por outro lado, a taxa de continuidade do consumo diminui na população geral e aumentou na população jovem adulta. Todavia, se olharmos para o consumo dos últimos 30 dias, a taxa de consumo cresceu quer na população quer nos jovens adultos. Comparando estes três indicadores, o que se verifica é que há uma tendência de aumento de consumo da heroína, particularmente nos jovens adultos", conclui o deputado do BE.