João Fonseca*, in Diário de Notícias
"Se o maquinista não tivesse trancado as portas, tinha ficado sem cabeça", afirma Pedro, 31 anos, um dos moradores do acampamento cigano montado junto à linha ferroviária, em Coimbra, onde uma criança de dois anos foi mortalmente atropelada por um comboio na quinta-feira à noite.
"A revolta era tanta que não sei o que poderia ter acontecido", diz ainda ao DN o pai de três crianças e membro de uma das seis famílias ali instaladas (quatro das quais desde Janeiro), depois de se terem recusado a permanecer no Parque de Nómadas dos Campos do Bolão.
"Saíram de lá porque se zangaram com quem lá está" (famílias também de etnia cigana), adianta Ana Fernandes, mulher de Pedro.As construções onde vivem as seis famílias, junto à via férrea que liga a estação de Coimbra a Coimbra-B, debaixo de um viaduto de acesso à ponte-açude, estão a escassos metros de distância da linha e esta não tem qualquer protecção. Mas, diz ainda o casal, os comboios que ali circulam com frequência "apitam sempre". Desta vez, no entanto, isso não aconteceu, garantem, responsabilizando o maquinista pelo acidente.
A morte da criança provocou "muita revolta", mas não fará a comunidade de três dezenas de pessoas que ali vive mudar de ideias. "Só saímos daqui para uma casa", reafirmam, recusando o regresso ao Parque de Nómadas. E nem o facto de em Julho próximo este espaço ficar livre dos actuais moradores (altura em que a câmara os deverá alojar noutro tipo de habitações), os demoverá, por temerem represálias da parte das pessoas com quem se incompatibilizaram, confessam.
Depois de ter acabado com o mais antigo acampamento cigano da cidade (junto à estação de Coimbra-B), a câmara tenta, igualmente com recurso ao Parque Nómada (criado para funcionar como meio adaptação a novos tipos de vida e habitação), acabar com este. Na manhã de quinta-feira, o vereador Jorge Gouveia Monteiro, da Acção Social e Promoção da Habitação, deslocou-se ali e reuniu, mais uma vez, com os moradores, mas sem chegar a um acordo.
A área ocupada pelo acampamento "deveria ter sido vedada" depois de, ao longo do ano passado, terem sido transferidas para o Parque Nómada", reconhece o autarca, lamentando, por outro lado, que a linha férrea continue a atravessar a cidade. "Ali já deveria passar, há muito tempo, o metropolitano."
A área envolvente da linha não tem qualquer vedação, mas fonte da Refer - Rede Ferroviária Nacional - assegura que a legislação não prevê essa obrigação naquele local devido às suas características urbanas e ao facto de os comboios circularem a 20 quilómetros por hora: "Estamos dentro de todos os parâmetros legais", assegurou o mesmo responsável.
A PSP identificou, entretanto, "algumas das pessoas" que, após o acidente, apedrejaram o comboio e tentaram entrar no seu interior para agredirem o maquinista. Vai agora "remeter o caso para as autoridades competentes". *Com Kátia Catulo