Andreia Sanches, in Jornal Público
A taxa de pobreza mantém--se praticamente inalterada e falta uma estratégia nacional que a combata, acusa um coordenador do encontro europeu de especialistas
Cada país da União Europeia (UE) comprometeu-se com metas de inclusão social e luta contra a pobreza. Mas o seu incumprimento "não está sujeito a qualquer sanção", lamenta Sérgio Aires, um dos coordenadores do encontro europeu de peritos nas áreas da pobreza e exclusão social que hoje começa em Lisboa. Do debate deverá sair um documento com "propostas concretas" destinado à futura Presidência Portuguesa da União Europeia (UE).
Houve, nos últimos anos, uma "estratégia" para deixar de falar de pobreza na Europa, como se sugere no "documento de reflexão" que vai estar em discussão pelos peritos?
Na última década, foi feito um esforço para deixar de falar de pobreza. Até a designação estatística para medição do fenómeno passou a ser designada "risco de pobreza". Como acontecia nos anos 70, aparece de novo a ideia de que a pobreza - pobreza mesmo! - habita noutros continentes. E, paradoxalmente, ela continua a crescer na UE!
Os programas de combate à pobreza falharam porquê?
Não se pode dizer que falharam. O que aconteceu foi que foram interrompidos. Em bom rigor, entre 1994 e 2000, não existiram sequer estratégias em termos europeus e tudo o que tinha vindo a ser construído foi abandonado. Foram poucos os países que mantiveram programas nacionais de combate à pobreza com o mesmo tipo de enquadramento que os europeus. Portugal foi um dos que mantiveram (até 2003). Não podemos afirmar que esse programa conseguiu debelar o problema da pobreza no país - a taxa de pobreza mantém-se praticamente inalterada. Mas lançou as bases de muitas das estruturas e formas de estar que podem organizar respostas eficazes. Basta pensar que esse programa foi o responsável por introduzir no nosso país a noção de coordenação e interinstitucionalidade das respostas, de trabalho em rede. Acontece que Portugal teve - e continua a ter - que fazer face, ao mesmo tempo, à "velha pobreza" e à "nova pobreza". E não podemos escamotear que as causas estruturalmente responsáveis pelos fenómenos de pobreza, de desigualdade e de exclusão não foram atacadas de forma estratégica. Na minha opinião, é principalmente isso que esteve sempre em falta: uma estratégia nacional de combate à pobreza."É preciso mudar de paradigma" no que diz respeito ao combate à pobreza na Europa, dizem os peritos.
Que medidas podem ser apresentadas pela Presidência portuguesa?
A luta contra a pobreza, a luta pela igualdade, a justiça, os direitos sociais, a solidariedade são valores que importa aprofundar e colocar à frente de todos os objectivos. Um sinal concreto que pode ser dado pela Presidência portuguesa é voltar a colocar a inclusão social no centro das decisões políticas. O crescimento económico e a competitividade só fazem sentido instrumentalmente para atingir o objectivo da inclusão social. Para além de medidas tão concretas quanto, por exemplo, a criação de programas europeus e nacionais de combate à pobreza que possam reforçar, complementar e reequilibrar a actual estratégia de Lisboa, seria interessante propor a criação de instrumentos de verificação em permanência da coerência das políticas face ao objectivo da inclusão social. No limite, nenhum tipo de legislação (nacional ou comunitária) deveria ser aprovada sem que fosse previamente verificada a sua compatibilidade com o objectivo maior que é o da coesão social.
Até onde deve ir o poder das instâncias europeias na verificação do cumprimento de metas de luta contra a pobreza em cada Estado?
Deve poder ir muito mais longe do que aquilo que faz actualmente. Na realidade, e no que concerne à inclusão social, os Estados-membros acordaram um conjunto de objectivos e metas cujo incumprimento não está minimamente sujeito a qualquer sanção. Isto, por si só, se calhar já quer dizer alguma coisa...
Por que é que dizem que é preciso voltar a colocar o rendimento mínimo na Agenda Europeia?
Em 1992, a Comissão recomendou a adopção de medidas de rendimento mínimo. Mas a questão continua confusa. Uns países têm, outros não... O tema voltou a ganhar relevância desde que a Comissão lançou uma consulta sobre a possibilidade de ir mais além em relação a este tipo de medida. Mas há quem considere o rendimento mínimo um direito e um mecanismo de inclusão e há quem considere que é desmotivador de uma verdadeira inclusão. O grande desafio é saber se deve existir uma Directiva Comunitária sobre este assunto ou não. Na minha opinião, esta é uma daquelas questões que ganhariam imenso em serem tratadas a nível supranacional.
Peritos pedem políticas sociais fortes
Apesar de "todos os esforços e iniciativas", os sucessivos programas de luta contra a pobreza "não funcionaram" - lê-se nos documentos de reflexão que estão em cima da mesa numa reunião europeia de peritos que hoje tem início em Lisboa. Amanhã, os cerca de 30 especialistas deverão aprovar um texto destinado à Presidência portuguesa da União Europeia (UE). Querem que esta assuma "um forte protagonismo na luta contra a pobreza e a exclusão social como aconteceu em 2000, com a famosa Estratégia de Lisboa".
A iniciativa De Lisboa a Lisboa: de regresso a Lisboa e à Inclusão Social é uma parceria da Rede Europeia Antipobreza/Portugal com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Os peritos já consultados consideram que a Comissão Europeia e os Estados-membros devem definir critérios a partir dos quais se possa avaliar em que medida as políticas de emprego estão a contribuir para a inclusão social. E recordam que as mudanças tecnológicas podem "deixar ficar para trás" muitas pessoas se não existirem "políticas sociais fortes". Aliás, dizem, isso já está a acontecer; 16 por cento da população da UE vive abaixo do limiar de pobreza. Iniciar já "um processo de preparação" do Ano Europeu para a Erradicação da Pobreza (2010) pode ser uma das "armas" da Presidência Portuguesa para fazer a diferença, dizem. A.S