2.3.07

O custo do milagre económico

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Alguns depoimentos são de trabalhadores anónimos na China: "Uma vez eu estava muito doente, quase em coma, mas o horário de trabalho era muito rígido. Fui ao hospital, onde fiquei apenas meio dia, levei uma injecção e voltei para o trabalho." Outros são de pessoas que se identificam. Como Zhang, 21 anos, da cidade do Sul de Shenzhen: "Estávamos verdadeiramente exaustos. Alguns até desmaiavam de cansaço." São testemunhos que ilustram as condições em que trabalham 200 milhões de trabalhadores chineses, vindos do campo para as cidades, com horas ilimitadas de trabalho e nenhuns direitos associados num país que criou uma "subclasse urbana", segundo denuncia a Amnistia Internacional (AI) no relatório China: o custo humano do milagre económico ontem publicado.

Os milhões de trabalhadores que migraram - e assim contribuíram para construir o "milagre económico" do crescimento na China - sobrevivem em condições terríveis e são frequentemente sujeitos a um tipo de exploração laboral e trabalho forçado, considera a AI. "Nas cidades, os trabalhadores que vieram das zonas rurais estão sujeitos ao pior tipo de abusos no local de trabalho. São forçados a trabalhar turnos de longas horas e frequentemente não têm dias de descanso, nem mesmo quando estão doentes. Correm muitas vezes riscos no trabalho, em troca de salários miseráveis", explica Catherine Baber, directora adjunta do departamento da AI para a Ásia-Pacífico.

Milhões de pessoas vieram do campo para ajudar a construir as cidades, a troco de nada: além dos baixos salários, muito deles não têm acesso a cuidados básicos de saúde ou educação. "Trabalham nas cidades e, no entanto. a maioria nunca chega a adquirir o direito de lá residir", sintetiza Corinna-Barbara Francis, pesquisadora da AI, à BBC on-line. Por não estarem registados na zona onde trabalham, muitos pais não podem inscrever os filhos em escolas públicas, restando-lhes a opção quase impossível de pagarem escolas privadas. Uma parte do problema é o sistema de registo de residência "Hukou" que determina que cada pessoa tenha um mesmo registo para o trabalho e para os benefícios sociais e de habitação. É semelhante ao que, nos anos 1950, dividia a população em duas categorias - rural ou urbana -, ganhando a reputação de criar um "apartheid camponês". A outra é a lentidão com que Pequim empreende as prometidas reformas.