Maria José Nogueira Pinto, in Diário de Notícias
Em 2006, o Nobel da Paz foi atribuído a um banqueiro chamado Muhammad Yunus. Em Portugal, este facto curioso não teve grande eco. Yunus fugia ao estereotipo habitual de um Nobel da Paz: não era político, não tinha evitado grandes conflitos, não tinha negociado a paz e nem sequer era conhecido do grande público.
A guerra à pobreza é um combate pela paz. Foi o que Yunnus fez, escolhendo um dos países mais pobres do mundo, o Bangladesh, e os mais pobres de entre os pobres, as mulheres. Com o seu trabalho e o seu "banco dos pobres" tirou da pobreza mais de 6 milhões de famílias. O seu combate assenta na convicção de que todos os seres humanos têm a mesma capacidade se se lhes oferecem idênticas oportunidades. O resultado da sua iniciativa demonstra que assim é, e que o dilema entre pobres e ricos é artificial.
Em Portugal, o resultado de um estudo que analisa um grupo de famílias pobres no período entre 1995 e 2001, levado a cabo pelo ISEG, demonstra, igualmente, que a pobreza não é uma fatalidade. Face a novas oportunidades, metade dessas famílias conseguiu ter sucesso e sair da pobreza. É aquilo a que se chama de empowerment, algo fundamental.
Esta constatação resulta altamente perturbadora num país com dois milhões de pobres e uma abordagem da pobreza que assenta, ainda e principalmente, em dar uma esmola mascarada de subsídio em vez de um microcrédito, em ver no pobre um assistido em vez de uma pessoa que precisa de uma oportunidade, um problema em vez de parte da solução.
A pobreza radica em causas muito diversas, pelo que as abordagens simplistas, as metodologias rígidas e os procedimentos uniformes são contraproducentes, determinam erros estratégicos e tornam-se um álibi para o fracasso dos resultados. Um mau ambiente é gerador de pobreza, como o é um mau urbanismo; a falta de habitação ou um sistema de Saúde pouco equitativo; o abandono escolar precoce, a doença, o desemprego ou a iliteracia. Os pobres não constituem uma categoria homogénea e as políticas de erradicação da pobreza têm de ser diversificadas e constantemente ajustadas.
O nosso maior problema não é quantitativo, mas qualitativo. Dois milhões de pobres é, certamente, uma enormidade, mas não saber lidar, eficazmente, com esta questão será uma catástrofe. O principal combate é o de romper a reprodução geracional desta pobreza, impedir que os filhos destes pobres sejam, eles também, pobres. E para cortar esse ciclo vicioso é preciso deitar mão às crianças criando-lhes outras oportunidades e ter nas mulheres as principais aliadas, para mudar os comportamentos, gerir recursos escassos e ganhar competências que permitam a sua autonomização.
É isto mesmo que fica demonstrado no estudo do ISEG e no impressionante testemunho de Roshonara quando afirma "com a minha máquina de coser conseguirei que a minha filha seja médica".
É claro que dá muito mais trabalho combater a pobreza com micro-créditos associados a projectos de vida do que distribuindo acriticamente o Rendimento Mínimo. É muito mais difícil olhar um pobre como alguém que tem direito à "sua" oportunidade do que introduzi-lo no sistema informático para receber uns euros. É muito mais desgastante trabalhar com uma família pobre para construir com ela as alternativas possíveis do que lançá-la nos meandros da burocracia social. As políticas públicas são fundamentais, mas o by the book nacional está ultrapassado e não produz os resultados necessários.
Há que mudar. Basta estudar os exemplos que nos chegam de fora, as boas práticas nestas matérias, os resultados obtidos em ambientes mais complexos e hostis. É necessário desmantelar a máquina burocrática que devora recursos e substituir as actuais rotinas por políticas públicas claras, programas eficazes, objectivos concretos, avaliações rigorosas. É urgente criar um novo relacionamento do Estado com a imprescindível rede de solidariedade da sociedade civil. Porque a pobreza não é uma fatalidade.