António Perez Metelo, Redactor principal, in Diário de Notícias
Há uma gritante desproporção entre grandes números. Eles vêm ao de cima nos debates orçamentais, aparentemente sem que ninguém avance das posições de partida. Por um lado, apontam-se as centenas de milhões de euros concedidos às empresas, especialmente às grandes empresas, na forma, internacionalmente autorizada, de incentivos ao investimento através de isenções fiscais. Por outro, contrapõem-se os magros aumentos de dezenas de cêntimos de aumento diário das pensões sociais mais baixas, com os quais milhão e meio de reformados se têm de conformar.
Este, como qualquer outro governo, foge desta contraposição incómoda, mas ela é real e não tem solução fácil. Quanto mais aberta se encontra uma economia de mercado, mais exposta está à concorrência na atracção de investimento directo, vindo de todo o mundo. A entrada de 600 milhões de trabalhadores em todo o mundo para as empresas exportadoras (desde 1980, passaram de 200 para 800 milhões) representa uma enorme pressão para os salários e as produtividades das empresas expostas a novas concorrências. Mas também uma maior despesa fiscal. Mesmo com ganhos na tecnologia e nos custos de contexto, a corrida aos descontos não pára e representa despesa fiscal crescente, se se quiser reforçar o aparelho produtivo que labora para o mercado global.
No pólo oposto, cada aumento de transferências sociais multiplicado por centenas de milhares ou milhões de beneficiários, desfia-se no bolso de cada um em quase nada. Mas, somados, voltamos à casa das dezenas ou centenas de milhões de despesa pública.
Eis um exemplo, o Complemento Solidário para Idosos. Hoje, garante 300 euros vezes 14 pagamentos anuais a 52 500 idosos, com 70 ou mais anos, que não têm comprovadamente outros meios de subsistência. Ao alargar-se o universo dos candidatos ao escalão dos 65 anos ou mais, é provável que o número dos beneficiários suba, em 2008, para cerca de 100 000.
Até agora, em média, o complemento anual ronda os mil euros, o que dividido por 14 dá uma boa ideia do que representa para cada rendimento dos que quase nada têm (71,40/ 228,60= +31%). Em 2008, o custo desta nova política social rondará, assim, os 100 milhões de euros. Só que o conceito do limiar de pobreza é relativo. Vai evoluindo com o tempo e com a progressão do salário médio e mediano nacional. Feitas as contas, em 2008, o limiar da pobreza já não se situará nos 4200 euros anuais, mas sim em 4830 euros. Em vez de 300, deveriam ser garantidos 345 em cada pagamento. O que atiraria a factura dos 100 para os 163 milhões de euros!
Uma só isenção fiscal pode pesar tanto como a actualização do limiar de pobreza para 100 000 idosos. Eis o peso dos grandes números e da sua exasperante injustiça social!