Andreia Sanches, in Jornal Público
Pouco mais de 300 euros é quanto receberá uma família que acolha uma criança em risco
Em Setembro havia nas listas nacionais de adopção 383 crianças em situação de adoptabilidade "em que, passe a expressão, ninguém pega" porque não correspondem ao que os candidatos idealizam, diz Idália Moniz
Os novos instrumentos do Governo para cumprir o objectivo de diminuir o número de crianças colocadas em instituições foram aprovados na quinta-feira. Constam de dois diplomas que esperam agora a promulgação do Presidente da República. A secretária de Estado adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz, avança alguns detalhes. Uma das medidas passa por profissionalizar o acolhimento familiar.
PÚBLICO - As famílias de acolhimento - que recebem em suas casas crianças que têm de ser retiradas às famílias biológicas - têm novas regras. O que é que muda afinal?
IDÁLIA MONIZ - Existem famílias de acolhimento, salvo erro, desde 1979. Foram regulamentadas em 1992, mas com uma característica diferente da que surge agora neste decreto-lei que vem na sequência da lei de protecção de crianças e jovens em perigo...
... que tem oito anos.
Foi um processo longo, mas não se arrastou por laxismo. Exigia de nós a audição dos diferentes parceiros e, sobretudo, exigia que legislássemos em conformidade com os recursos de que dispomos.
Com este diploma, o acolhimento familiar passa a ser profissionalizado. Isto significa que as famílias de acolhimento não podem [ao contrário do que acontecia até agora] ter laços biológicos com as crianças e jovens que acolhem. E é criada a figura do responsável pelo acolhimento familiar - que é um membro da família de acolhimento que tem que estar colectado nas finanças como trabalhador independente.
Porquê?
Porque no fundo isto é uma prestação de serviços. Compete ao Instituto da Segurança Social (ISS) fazer o acompanhamento de todo o processo. Terá que sensibilizar a sociedade portuguesa, provavelmente através do lançamento de uma campanha, para a existência deste novo enquadramento. E depois fazer o recrutamento, a elaboração das candidaturas, a selecção, a formação das famílias. Porque estes profissionais têm que fazer formação para acolher as crianças. E haverá todo um acompanhamento durante a permanência das crianças nestas famílias.
Pretende-se que mais pessoas assumam esta tarefa?
Claro. E para além de uma família que resulte de um contrato de casamento, com este diploma prevê-se que a família de acolhimento possa ser constituída por uma pessoa singular, duas pessoas em união de facto ou em economia comum. Depois será avaliada pelos técnicos e, se reunir as condições, pode constituir-se como família de acolhimento.
Que condições têm de cumprir?
Estarão definidas no diploma. Têm que ser pessoas idóneas [e ter o 9.º ano], por exemplo.
Têm de ter certas condições económicas?
É feita toda uma avaliação socioeconómica dos candidatos. Se queremos profissionalizar temos que ser exigentes quanto às condições de acolhimento para estas crianças.
O decreto ainda prevê que o acolhimento possa ser feito por uma família em "lar familiar" ou em "lar profissional". Este último é um agregado mais especializado, onde pelo menos um dos membros terá que ter formação específica, para poder receber crianças com determinadas características - crianças que, por exemplo, apresentam comportamentos difíceis, desviantes, mas que não estão classificados como crime.
Cada uma das crianças institucionalizadas ao abrigo do acolhimento familiar é acompanhada por um plano de intervenção imediata definido com o ISS, ou uma instituição particular de solidariedade social com quem o ISS contratualize para fazer o seguimento, a avaliação e a supervisão destes processos. Em Lisboa, é a Santa Casa da Misericórdia.
E é o tribunal ou uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens que decide a colocação em acolhimento familiar.
Que subsídios vão receber?
A portaria está para publicação: as famílias de acolhimento irão receber 168,20 euros - se for uma criança com deficiência será o dobro (336,40) - mais 145,80 euros [de subsídio de manutenção] por cada criança. Podem receber no máximo duas crianças. Se não tiverem filhos podem receber três. Mas, para não comprometer as fratrias, está previsto que possam acolher mais. Não vamos separar irmãos se as famílias manifestam vontade de os acolher.
Para além da mensalidade, tanto estas famílias, como as famílias que possam ser abrangidas pelas medidas de protecção em meio natural de vida podem beneficiar de apoio nas despesas relacionadas com equipamento indispensável ao acolhimento. Um carrinho de bebé, ou um computador para uma criança em idade escolar. Terá que ser sempre tudo avaliado pela equipa técnica que acompanha a família e as crianças.
Estes valores são, afinal, muito semelhantes aos que já são pagos. Acha que mais pessoas vão querer ser família de acolhimento? Mais ainda quando se pretende exigir mais destas famílias?
São montantes razoáveis e que vão ao encontro de estudos feitos pelo ISS e pela Direcção-Geral da Segurança Social. E são os montantes viáveis. Obviamente que, após o lançamento destas medidas, teremos de fazer a sua avaliação e tirarmos ilações.
Decidir ser família de acolhimento é uma decisão muito particular, mas é também um acto de grande generosidade. Por outro lado, temos que ser mais exigentes porque não podemos colocar uma criança ao abrigo de uma medida de promoção e protecção sem termos a certeza de que ela é bem acolhida, que os seus direitos são respeitados e que a sua integridade física e psicológica é salvaguardada. Mas, mesmo com a lei sem regulamentação, há comunidades no nosso país que têm desenvolvido campanhas para sensibilizar famílias de acolhimento que as têm acolhido.
Quantas famílias há no país?
Temos 2698.
Casais homossexuais poderão candidatar-se a esta figura?
O que está na lei é: [pode candidatar-se] uma família que resulte de um contrato de casamento, uma pessoa singular, ou duas pessoas em união de facto ou em economia comum.
A adopção
"É importante, mas não resolve todos os problemas"
Só para nove por cento das 12 mil crianças no sistema de acolhimento se concebe como projecto de vida a adopção. Porquê?
Todas as crianças que têm condições para tal devem ver decretada a sua situação de adoptabilidade. No entanto, nem todas as que estão institucionalizadas podem ser adoptadas. Por causa da idade, porque podem voltar às suas famílias biológicas... a adopção é importante, hoje é mais ágil, ainda não é perfeita, mas não resolve todos os problemas da institucionalização.
Mas numas instituições as crianças ficam anos, noutras não. Porquê? No Refúgio Aboim Ascensão, em Faro, 98 por cento das crianças que entraram em 2006 saíram para as suas famílias biológicas ou para adopção.
As instituições têm dinâmicas diferentes e por isso lançamos o plano DOM - que pretende a sua qualificação, o reforço das equipas técnicas, a ligação das crianças com as famílias, a definição de um projecto de vida adequado. Mas é óbvio que uma instituição que acolhe crianças pequenas tem uma taxa de adopção superior, sobretudo quando foram abandonadas.
Mas há instituições que não apostam no encaminhamento para a adopção?
Passámos de uma intervenção de cariz caritativo para uma intervenção de acção social. Há instituições que pensam ainda que as crianças quando entram lá são delas. E que só de lá sairão quando se casarem, ou formarem ou arranjarem um trabalho. Por isso é tão importante que façamos um acompanhamento exaustivo.
Aposta de 10 milhões de euros
Idealmente, quantas famílias de acolhimento deviam existir?
O ideal seria que as crianças pudessem estar junto das suas famílias biológicas. Sabemos que quando existem situações de negligência grave, de abuso, de maus tratos, temos de arranjar outra resposta. Agora quando falamos da falta de capacitação das famílias, então já estamos a falar de outro trabalho que tem de ser desenvolvido e no qual estamos a investir muito.
Como?
Foi aprovado o decreto-lei que regulamenta as medidas de protecção em meio natural de vida: o apoio junto dos pais, o apoio junto de outros familiares, a confiança a pessoa idónea e o apoio para autonomia de vida. No Orçamento do Estado para 2008 o acompanhamento das famílias que têm crianças e jovens numa instituição tem um aumento de 122 por cento. Pretendemos que aquelas crianças a quem foi aplicada uma medida no âmbito da lei de protecção possam ver as suas famílias mais capacitadas. Porque, sempre que as famílias tenham condições, as crianças estão bem é junto dos seus pais, das suas mães, com os avós, ou com os tios. Estas quatro medidas servem para assegurar um enquadrando sócio-familiar que lhes garanta um acompanhamento psicopedagógico, social e económico adequado.
Das crianças [2700] que estão numa família de acolhimento, mais de metade têm com ela laços biológicos. A ideia é que estes familiares que acolheram uma criança continuem a ser apoiados, mas à luz da tal medida de "apoio junto de outro familiar"?
Ou do apoio a pessoa idónea, alguém com quem a criança tem já um relacionamento e com quem pode ficar.
E apoio para autonomia de vida, o que é?
É para os jovens a partir dos 15 anos ou para as adolescentes grávidas a partir dos 13. É todo o enquadramento que permita a estes jovens desenvolver uma vida autónoma. Isto pressupõe que os jovens mais velhos, que, por exemplo, estão a acabar cursos profissionais, são instalados num apartamento, num grupo de quatro ou cinco jovens, que têm uma supervisão técnica, que recebem mensalmente dinheiro que lhes permite fazer a gestão da casa, da sua vida pessoal e que vão ganhando competências.
Quanto haverá em 2008 para estas medidas?
Seis milhões e meio de euros para as de protecção em meio natural de vida e dez milhões para o acompanhamento das famílias com crianças e jovens em lar.