2.3.08

Interior Raul e Isabel já têm uma cama para cada um

Margarida Luzio, Adelino Meireles, in Jornal de Notícias

Os dois irmãos vivem agora com os tios em Salto. A mãe das crianças está em coma num hospital


Anteontem foi um dia raro para Raul, de 12 anos. Recebeu prendas dois pares de sapatilhas. Era dia de educação física, Raul apareceu com fato-de-treino. Mas de botas. Comovida, uma educadora foi-lhe comprar dois pares de ténis.

Isabel, a irmã de 10 anos, também só tem fato-de-treino. "Já lho tenho a secar na corda. Esta semana não fez ginástica porque esteve, há pouco, com uma pneumonia", esclarece a tia, Ana Maria, de 39 anos. Como comprar as sapatilhas é que ainda não sabe.

Raul e Isabel são novos na Escola Primária de Salto, Montalegre, novos na quase deserta aldeia de Pomar da Rainha, em Salto, e rostos vivos do estudo da Comissão Europeia que coloca Portugal entre os oito países da União Europeia com níveis mais elevados de pobreza entre as crianças.

Os irmãos foram, há pouco mais de uma semana, entregues pela Segurança Social à tia e ao companheiro, Paulo Jorge Fernandes, que moram em casa da mãe deste. A casa é humilde. Muito humilde, mas, ainda assim, melhor do que aquela onde Raul e Isabel moravam em Teixugueira, no concelho de Vieira do Minho. "Era um barraco sem nenhumas condições!", esclarece Paulo Jorge. A sua, embora velha, já tem casa de banho - um acrescento que nasceu graças à boa-vontade de um emigrante - e "uma cama para cada um". A mãe das crianças está em coma num Hospital em Guimarães. "O que determinou a entrega das crianças aos tios foi o factor emocional. Eles estão muito ligados a esta tia", explicou, ao JN, uma professora.

Nota-se. Raul e Isabel não largam as pernas dos tios, como se alguém os quisesse levar. Mas o que sobra, aos tios, em boa-vontade falta em dinheiro. Ana Maria não trabalha e João Paulo ganha apenas o ordenado mínimo numa oficina automóvel em Salto. "Vamos ver se pedimos uma ajudinha! Só com um ordenado e pequeno... sabe como é!". É muito pouco. Tão pouco que não chega sempre para o lanche de Raul e Isabel. "Para de manhã trazem quase sempre, mas à tarde só às vezes. Ontem, dei-lhes bolachas", contou uma auxiliar. As professoras também já ofereceram capas e cadernos aos dois. Apesar de tudo, Isabel e Raul parecem as crianças mais felizes e conformadas do mundo. Sem bonecas e sem jogos, Isabel brinca "com qualquer coisa". "Eles que se hão--de importar de não ter nada? Foram assim criados!", justifica Paulo Jorge. Mas se tivessem muito dinheiro para gastar em prendas sabiam o que comprar. Raul, uma bicicleta. E Isabel, um "computador, como o da Cristina", a prima.

No concelho de Montalegre, o projecto de luta contra a pobreza terminou em 2005. Durante quatro anos, foram feitas "intervenções de fundo" em 13 habitações. "A prioridade foi sempre determinada pelo facto da família ter ou não crianças a cargo", explicou a responsável pelo projecto, Irene Esteves.

No âmbito deste mesmo projecto foi criado também um gabinete multidisciplinar de apoio à criança que se extinguiu ao mesmo tempo. Entretanto, a autarquia já se candidatou a dois novos projectos, mas foram ambos chumbados. "Estamos agora à espera do novo QREN", explicou Irene Esteves, lembrando que a autarquia fornece refeições gratuitas a todos os alunos deslocados e carenciados também apoia na melhoria de habitações. Mas, o que falta mesmo, diz, são psicólogos e assistentes sociais para darem uma resposta integrada às famílias.

13 habitações Um projecto de luta contra a pobreza em Montalegre permitiu intervir em 13 casas. Por falta de verbas, o programa deixou de funcionar em 2005.