Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Políticos, banqueiros e economistas tiveram de rever as suas ideias sobre como deve funcionar a economia, mas continuaram a defender que o proteccionismo é uma das ameaças
Ao penúltimo dia de Davos, cerca de duas dezenas de ministros do Comércio reunidos para discutir os próximos passos nas negociações do comércio internacional prometeram resolver as divergências durante este ano e garantiram que não vão adoptar políticas proteccionistas como resposta à crise.
Num comunicado emitido após o encontro, que juntou os governos das principais economias industrializadas e emergentes que nas negociações comerciais dos últimos anos têm sempre falhado um acordo final, foi anunciado um compromisso em relação à concretização de avanços antes da próxima reunião do G20, agendada para Londres nos primeiros dias de Abril.
"Notou-se uma grande determinação para que não ocorra nenhum recuo para um cenário proteccionista. Há um grande nível de optimismo e de vontade de que alguma coisa aconteça", afirmou o ministro do Comércio do Canadá.
A luta contra o proteccionismo no comércio internacional tornou-se, num ano em que os participantes do encontro de Davos se viram forçados a rever uma parte importante do modelo económico defendido ao longo dos anos, na ideia em que mais facilmente foi possível encontrar um consenso neste fórum. Políticos, empresários e economistas repetiram os alertas quanto à possibilidade de, numa economia mundial em recessão, os governos entrarem numa espiral de criação de barreiras alfandegárias, com decisões e retaliações que resultem numa redução brusca das transacções comerciais à escala mundial. Foi isto que aconteceu durante a crise económica mundial dos anos 30 do século passado, acentuando a tendência de contracção da actividade, e já há alguns sinais de que pode vir a acontecer agora.
Sinais de recuo
Desde que a economia mundial entrou em recessão, alguns países reagiram, dificultando a entrada das importações, tentando proteger assim as suas indústrias. A Índia fez subir as taxas aplicadas à entrada de metais e a Rússia à importação de automóveis. Na União Europeia, os subsídios ao sector agrícola foram reforçados.
Tudo isto aconteceu mesmo depois de, no encontro extraordinário do G20 para encontrar uma solução para a crise, os líderes mundiais, tanto dos países mais ricos como dos emergentes, se terem comprometido a avançar com as negociações de Doha até ao final de 2008 e concretizar definivamente esses avanços a tempo do novo encontro marcado para Londres em Abril. O primeiro passo não foi dado, já que no seio da Organização Mundial do Comércio se decidiu que não estavam reunidas as condições para resolver as divergências que têm evitado, ao longo dos últimos anos, um acordo que permita uma maior abertura do comércio internacional.
Agora, os ministros do Comércio dão um sinal mais positivo numa conjuntura que não é nada favorável à abertura de fronteiras. Um dos novos obstáculos que pode surgir nas negociações é, por exemplo, a tendência proteccionista que o plano de estímulo económico a ser lançado pela Administração Obama pode vir a ter. Entre os 825 mil milhões de dólares previstos, alguns deverão ser direccionados para o programa Buy American, que tem como intenção reforçar o consumo de bens produzidos nos EUA. Existe a forte possibilidade de que este tipo de medidas se baseie numa limitação à entrada de produtos estrangeiros.
Ontem, em Davos, o actual representante norte-americano para as negociações internacionais do comércio, respondeu, em entrevista à agência Reuters, que "a Casa Branca e o Congresso estão a trabalhar para garantirem que o que se venha a fazer em resposta à crise económica seja consistente com as obrigações [dos EUA]".