2.2.09

Trabalhadores temporários no estrangeiro devem sofrer mais com a crise

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Desemprego será maior em sectores como a construção civil, o turismo, a restauração, com mais presença de mão-de-obra migrante, diz analista


Quem vive num país que não é o seu pode sofrer mais com a crise económica que varre o planeta. Mas o impacte nos fluxos migratórios não é linear. "Depende dos sectores de actividade", diz Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Os temporários da construção civil, da restauração, do turismo podem sofrer mais do que os outros.

Bastará recordar a crise que estourou em 1973 e invadiu a década de 80. A indústria transformadora entrou em declínio e muitos imigrantes perderam o emprego, recorda Malheiros, co-autor do relatório sobre migrações que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico publicou o ano passado. "Apesar de esta crise ser diferente, podemos tirar dali uma lição."

Nos últimos anos, o movimento de saídas do território nacional faz-
-se muito de estadias temporárias e europeias, observa Helena Rato, do Instituto Nacional de Administração. Saem de Portugal e vão cumprir contratos a prazo em Espanha, em França, na Suíça, no Reino Unido, na Irlanda e outros estados vizinhos.

Esses portugueses correm maior risco pelas mesmas razões que os estrangeiros residentes em Portugal correm maior risco, avalia Jorge Malheiros. Por um lado, "o desemprego será maior em sectores como a construção civil, a restauração, o turismo", com mais presença de mão-de-obra migrante. Por outro, quem tem contrato temporário "está na primeira linha dos despedimentos".

Mais prestações sociais

No Reino Unido, já houve uma série de greves contra a contratação de mão-de-obra estrangeira. Na Alemanha, diz o conselheiro das comunidades portuguesa, Rui Paz, muitos portugueses da indústria automóvel estão a ficar sem emprego ou a trabalhar a meio tempo: a primeira economia da Europa está com uma taxa de desemprego de 8,3 por cento.

A maior parte dos países da União não fornece dados actualizados de desemprego por nacionalidade, mas pode-se citar um exemplo emblemático: o de um dos maiores destinos deste século. Na Suíça, no último trimestre de 2008, a taxa de desemprego dos portugueses passou de 3,7 para sete por cento. A taxa de desemprego geral ficou-se nos três por cento.

Muitos portugueses têm contratos temporários na construção, na agricultura, na jardinagem, na hotelaria, explicou Margarida Pereira, responsável pela área da imigração do Sindicato Unia, à Swiss Info. "Em tempo de crise, os trabalhadores com contratos mais precários são os primeiros afectados". O mesmo fenómeno ocorre em Portugal, torna Malheiros.

A imigração começou a diminuir em 2001, ano em que fechou com 350.898 estrangeiros residentes registados. A partir de 2003, encolheu muito o número de entradas. Os derradeiros números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que datam de 2007, apontavam para um total de 435.736.

O registo dos beneficiários de prestações sociais desvendam a tendência: havia 5654 estrangeiros a receber subsídio de desemprego em 2001, 21968 em 2003, 24868 em 2005, 27017 em 2007. Os dados de 2008 ainda não estão disponíveis. Mas a evolução mensal revela valores superiores aos do ano anterior. Em Dezembro, 16.003 estrangeiros obtinham aquela prestação.

Novo destino: Angola


Os estudiosos dividem-se. Uns sugerem que, numa situação de crise como esta, o regresso de emigrantes terá consequências muito visíveis na vida dos imigrantes, já que trabalham nos mesmos sectores: restauração, limpeza, construção. Outros sustentam que não, que os que regressam não procuram trabalho nos sectores a que se dedicaram no estrangeiro, porque lá o fizeram aproveitando redes facilitadoras de integração.

"Nunca houve evidência, porque nunca houve uma crise tão grande, num contexto de livre circulação", salienta Jorge Malheiros. "Se calhar, não estão a regressar tanto", arrisca. A crise está a afectar todos os países de acolhimento. "Como os portugueses estão espalhados, muitos dos que ficam sem trabalho podem dizer: 'Não dá aqui, vou tentar ali'".

Helena Rato também acha que a crise não vai paralisar os migrantes: "É de esperar é uma degradação das suas condições de vida".

O caso do Luxemburgo é flagrante. A população portuguesa não pára de crescer ali - os estrangeiros são 42,6 por cento da população; os portugueses 76,6 por cento dos estrangeiros. Ainda a 21 de Janeiro, o semanário Contacto já trazia uma reportagem sobre cafés que alugam quartos minúsculos e insalubres a migrantes recentes, a maior parte portugueses.

Os portugueses absorveram tanto a "a cultura migratória" que parecem capazes de ir para qualquer sítio. Angola será o novo destino mais evidente. É previsível que tentem países como a Nigéria e o Gabão. E países asiáticos, como os Emirados Árabes Unidos, o Qatar ou a Arábia Saudita.

Portugal continua sem saber quantas pessoas saem, quantas regressam. A haver impacte negativo na economia local, Malheiros acredita que será maior no Minho e no Interior Norte e Centro e nalgumas áreas do Alentejo. Pelo peso dos fluxos nessas áreas. Pela degradação da situação económica dessas áreas.