in Jornal Público
Por efeitos da crise em Espanha, muitos homens estão sem trabalho em Cinfães do Douro
Há um ano, António Costa vendia sete a oito barris de cerveja por semana no café, em Cinfães do Douro. Agora, termina a semana sem gastar um. A crise internacional está a deixar muitos clientes sem trabalho. "Muitos chegaram antes do Natal e já não regressaram a Espanha."
O silêncio quase se apalpa nesta terra fria, encravada entre a serra de Montemuro e os rios Douro, Paiva e Cabrum. Não há fábricas de nome estrangeiro nem grandes superfícies comerciais. Há empresas de construção civil, serviços básicos, agricultura de subsistência.
Ao domingo à noite ou à segunda-feira de madrugada, enchiam-se dezenas de carrinhas de homens para obras distantes. Agora, ao descer para a aldeia de Mourilhe, carrinhas paradas, umas atrás das outras. À porta do escritório da EdiMourilhe, homens ansiosos por saber se já há trabalho.
Entram no café de António Costa quatro homens vindos de Penafiel. Corria de casa em casa que por lá um empreiteiro oferecia cinco euros e meio por hora de trabalho mais transporte e refeições. Foram lá ver. Inscreveram-se. Amanhã, vão para Lisboa à procura de melhores oportunidades.
O número de portugueses inscritos na Segurança Social espanhola passou de 77.396 em Dezembro de 2007 para 69.039 em Dezembro de 2008. Mas a estatística oficinal revela apenas uma pequena parte da realidade. Os subempreiteiros portugueses que em Espanha celebram contratos de subempreitada tendem a não aplicar a normativa laboral europeia: pagam salários de Portugal e não inscrevem os trabalhadores na Segurança Social espanhola.
Sindicalistas, de um e do outro lado da fronteira, estimam ter caído para metade o número de portugueses que a cada dia ou a cada semana atravessa a fronteira para trabalhar. Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção Civil, fala numa quebra de dois terços.
Há cinco anos que António Urbano trabalhava nas obras em Espanha. A 18 de Dezembro, quando veio passar o Natal, o patrão disse-lhe para aguardar, a ver se aparecia obra. Não apareceu. A 21 de Janeiro, inscreveu-se no centro de emprego. "Não dá para estar em casa!"
Habituado a trazer 1300 ou 1400 euros para casa no final de cada mês, o carpinteiro de 28 anos não se imagina a viver com os 618 de subsídio de desemprego. Tem dois filhos - de três e seis anos. E a mulher está desempregada desde Agosto. A panificadora que a empregava reduziu pessoal.
"Para muitas famílias, isto está muito difícil. Há casa para pagar, água, luz, gás. E é preciso comer e beber", comenta a mulher, cabelo apanhado, fino. "Estamos a comer o que ganhamos, enquanto dá", torna o rapaz, moreno, de cabelos negros, curtos. "As poupanças."
A sorver um café está o empreiteiro Rui Silva. Nem sabe ao certo quantos homens tem a trabalhar para ele. O sócio, que é engenheiro, é que "está mais por dentro disso". Mas dantes tinha mais, em Espanha. E, sim, "há muita, muita" gente a pedir-lhe trabalho. "Isso é diário."
Muitos contraíram empréstimos para construir ou comprar casa. Alguns esticaram-se aos carros caros. Foram apanhados pelas subidas das taxas de juros. E encurralados pelo desemprego. Os que vêm ao café são os que ainda têm uma margem de manobra, como António Urbano.
Dantes, os adultos vinham tomar uma cerveja ou um café ao António Costa e traziam as crianças. As crianças olhavam para o mostruário e pediam uma gulodice. Agora, "os que estão com a corda ao pescoço nem aparecem". Do outro lado, na mercearia, é pior. "A gente só está aqui para fiar."
O merceeiro tem de se proteger. Não pode fiar tanto. Se fia tanto quanto lhe pedem, fica sem dinheiro para os fornecedores. Ainda agora negou fiado a um casal que tem três filhos. O homem teve um problema de saúde. O calote, na mercearia, cresceu muito, demasiado. E António Costa disse-lhe: "Tenha paciência, veja se há outro que o ajude".
António Urbano esboça um sorriso: "É ver se há outro país que dê para a gente emigrar". Talvez salte para o Norte de África: "A empresa onde eu tenho estado já tem seis pessoas em Marrocos desde o início do ano". "O Governo não tem dinheiro para ter tantos portugueses em casa", corrobora a mulher.
A emigração parece entranhada nestes vales profundos que deixam a descoberto cabeços e píncaros. António Costa ganhou dinheiro para a casa e para o negócio a trabalhar nas obras no Iraque e na Argélia. "Andei a construir o Hotel Babilónia em Bagdad. Se calhar, já nem existe!"
Nos anos 80, os homens de Cinfães andavam nas obras no Iraque, em Israel, no Líbano, na Argélia. Nos anos 90, viraram-se para a Rússia. Depois, para a Alemanha. Já este século, começaram a furar para Espanha. E dentro de Espanha apostaram na Galiza, como os homens de outros concelhos do Norte e do Centro de Portugal. Na última década, o emprego no sector da construção cresceu mais na Galiza (41,1 por cento) do que no conjunto da economia espanhola (28,6 por cento). Talvez encontrem outra saída. Os clientes de António Costa são trabalhadores qualificados habituados a trabalhar - pedreiros, "azulejadores", ferreiros, carpinteiros...