Andreia Sanches, in Jornal Público
Dificuldades económicas e desemprego levam pais a atrasar pagamento das propinas dos filhos
Há cada vez mais pais que não conseguem pagar as mensalidades dos colégios dos filhos a tempo e horas. Outros que tentam negociar planos especiais de pagamento. Outros ainda que estão a abdicar das actividades extracurriculares para aliviar a despesa no final de cada mês. Isto acontece "mesmo nos grandes colégios das grandes cidades", o que "é algo novo", diz o presidente da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep), Rodrigo Queirós e Melo. "Este ano lectivo está a ser difícil."
Os efeitos da crise que afecta muitas famílias fazem-se sentir mesmo em escolas frequentadas pelos filhos da classe média e média alta. "É a primeira vez que me lembro de ver grandes colégios a viver esta situação", continua Queirós e Melo.
O presidente da Aeep admite que "há alguma preocupação" nos estabelecimentos privados de ensino porque as mensalidades são a sua grande fonte de receita para suportar as despesas de funcionamento e os ordenados. E se, do ponto de vista jurídico, um colégio até pode mandar embora os alunos que estejam em dívida - para substituí-los por outras crianças em lista de espera -, na prática, ninguém assume ter coragem para interromper o ano lectivo de um estudante.
No Colégio da Quinta das Palmeiras, em Lisboa, por exemplo, a data limite de pagamento é o dia 10 de cada mês, "mas isso é cada vez menos respeitado", admite Luísa Pitschieller, a directora desta escola com mais de 100 alunos.
"As pessoas explicam-nos que não têm dinheiro, ou que alguém ficou desempregado, ou simplesmente pedem para pagar mais tarde, mesmo com penalização." Há pais que devem desde Outubro. O que levanta problemas: "Duas crianças com dois meses de [propinas em] atraso podem representar até quatro ordenados" de trabalhadores auxiliares, exemplifica.
Pagamentos suaves
Os funcionários do colégio ainda não receberam subsídio de Natal. E se os atrasos das famílias estão longe de explicar todos os problemas de tesouraria, a verdade, diz Luísa Pitschieller, é que contribuem bastante. A propina média ronda os 340 euros.
No Colégio Bartolomeu Dias (com 500 alunos do pré-escolar ao 12.º ano), em Santa Iria de Azóia, o administrador Pedro Gomes Freire fala de "casos pontuais" de pessoas que perdem o emprego e pedem para "que seja feito um plano de pagamentos" mais suave. Mais visível, continua, é o fenómeno das desistências das actividades extracurriculares - do ballet à natação, passando pela ginástica. "Mesmo pais que, no início do ano lectivo, tinham começado por inscrever os meninos nessas actividades têm desistido nos últimos dois, três meses."
"Também há mais crianças a trazer o almoço de casa", diz, por seu lado, Helena Florindo, da direcção da Colmeia, um infantário e jardim-de-infância em Queluz. Desta forma, os pais evitam gastar com os almoços na escola - uma preocupação que era bem menos visível "há dois ou três anos".
"Por vezes, os pais têm dificuldade em admitir que estão com problemas, é a pobreza envergonhada", diz Esmeralda Lima, directora pedagógica do Colégio de Santa Teresa de Jesus, em Santo Tirso. E é assim mesmo quando o orçamento familiar já não chega para as propinas do colégio.
"Compreendemos se um pai nos diz que ficou desempregado e nos pede para prolongar o prazo", garante a irmã Maria Dina, do Colégio Sagrado Coração de Maria, em Lisboa, frequentado por cerca de 1400 alunos - do pré-escolar ao ensino secundário - que pagam entre 381 e 455 euros por mês. Mas há limites: a escola tem alguns milhares de euros por receber. "E tivemos que meter advogados..."
Rodrigo Queirós e Melo considera que seria importante que o Ministério da Educação aprovasse, para este ano, um aumento significativo das comparticipações previstas para as famílias com menos recursos que têm filhos no sector privado. "Mas a proposta é de apenas dois por cento, o que é insuficiente."
'Com o credo na boca'
Há instituições em dificuldades, diz a CNIS
A crise é um pretexto? Ou as dificuldades são reais? "Muitas famílias atrasam-se nos pagamentos por causa da crise, porque se vivem tempos difíceis, mas também sabemos que há outras para quem a crise é um pretexto. De qualquer modo, estas situações têm vindo a agravar-se", diz Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS). À CNIS têm chegado várias queixas. "Se as famílias falham, não há, muitas vezes, património ao qual recorrer para pagar as despesas. As instituições vivem com o credo na boca", diz Lino Maia.