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O projecto Igreja Solidária, a debater amanhã pelo Cardeal Patriarca de Lisboa com as paróquias, desenvolve-se em três planos, sendo que o último, relativo aos cuidados continuados de saúde, só deverá ser desenvolvimento a longo prazo.
O projecto, que abrange inicialmente a área do Patriarcado de Lisboa, pretende ser uma resposta da Igreja Católica às situações de pobreza criadas pela crise económica e financeira, e aposta sobretudo num esforço-extra das instituições de apoio social ligadas à Igreja, no seu trabalho em rede e na convergência de acções com o Estado.
O primeiro plano deste projecto é atender às situações de carência básica, como a alimentação, e o apoio ao pagamento das rendas de casa e, sobretudo, da medicação, especialmente no caso dos idosos.
O apoio pode também chegar à ajuda às famílias no pagamento das mensalidades dos filhos que frequentem estabelecimentos ou instituições escolares ligadas à Igreja.
Os responsáveis do projecto já obtiveram o apoio do Banco Alimentar e esperam conseguir sensibilizar a banca e as empresas para a constituição de um fundo que permita acorrer às necessidades, para além de confiarem na "habitual generosidade dos portugueses", referiu à Lusa o cónego Francisco Crespo. responsável da Pastoral Sócio-Caritativa do Patriarcado de Lisboa.
Além disso, vai ser pedido um esforço-extra às instituições, para irem além do que está acordado com o Estado em termos de apoios.
O Estado, afirmou Francisco Crespo, "está muito rígido" no que diz respeito ao alargamento do âmbito dos acordos, situação que cria dificuldades às instituições, que recebem mais pedidos de ajuda do que os existentes nos protocolos.
"Essa é a nossa grande dificuldade: não queremos que os 20 que estão fora do acordo fiquem sem alimentação", disse o cónego Francisco Crespo, que indicou que vai ser feita ainda uma tentativa de fornecer mais do que uma refeição.
"Muitas das pessoas só comem a refeição que lhes é dada pelo Centro Social Paroquial", lamentou.
Cada instituição apresenta os seus casos mais prementes, que serão estudados por técnicos de uma comissão coordenadora, sob a direcção da Caritas Diocesana, para atribuição dos apoios monetários.
Quanto à questão do desemprego, admitindo que "é difícil encontrar uma resposta para os desempregados", o cónego Francisco Crespo referiu ser necessária a boa-vontade do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social para a celebração de protocolos que permitam que os beneficiários do subsídio de desemprego tenham possibilidade de trabalhar nas instituições de apoio social da Igreja.
Também a falta de técnicos nas várias instituições poderia ser suprida com a celebração de acordos de estágios profissionais nos centros sociais e nas outras instituições de apoio social, acrescentou.
O último nível de intervenção do projecto, que admite não ser para já, "pois é um bocado complicado", tem a ver com a vontade das comunidades paroquiais criarem espaços para cuidados continuados de saúde, atendendo os idosos e doentes da respectiva área, libertando espaço nas unidades hospitalares.
"Os equipamentos têm custos que as instituições não conseguem suportar. São custos enormes no que diz respeito à construção e à sua manutenção", referiu, indicando que a actual legislação, que considerou rígida, desincentiva este tipo de apoio social por parte das instituições da Igreja.
"A rede é mesmo uma rede e não se limita a prestar apoio às comunidades. Um doente de Santa Maria pode ir parar ao Minho, a Trás-os-Montes ou à zona oeste de Lisboa, ou a muitas centenas de quilómetros, separando-o do seu meio e da sua família", salientou, defendendo a revisão da legislação.
Igreja não pode ficar indiferente à crise
Para o cónego Francisco Crespo a Igreja não podia ficar "indiferente e inactiva perante esta gravíssima realidade" da situação económica, que gera desemprego e carências básicas.
"A actual crise financeira e económica com os problemas dela decorrentes, como seja a falta de emprego, a carência dos bens indispensáveis, de sustentabilidade, está a colocar em risco muitas famílias, criando em muitas delas o aumento de divórcio e até de violência doméstica", observou o sacerdote.
"O número de pessoas que estão a bater à porta das nossas instituições e das nossas comunidades cristãs vai aumentando cada vez mais e a qualidade de vida dessas pessoas causa situações" que ferem a dignidade humana, lamentou.
"Estão a aparecer cada vez mais situações de pobreza envergonhada que é preciso ter coragem e bom senso para as descobrir e para as ajudar, com uma capacidade de não melindrar quem estava habituado a viver com um certo nível e que de um momento para o outro vêem-se privadas de qualquer sustentabilidade financeira", disse, salientando: "É uma pobreza que nos faz pensar".
Inicialmente limitado à área do Patriarcado de Lisboa, envolvendo cerca de 300 instituições, entre Centros Sociais, Movimentos e Obras da Igreja (caso da Conferência Vicentina), Misericórdias e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o projecto Igreja Solidária gostaria de ser alargado a outras dioceses e regiões e ser "um sinal para todo o país".
O objectivo é pôr todas as instituições da Igreja a trabalhar em conjunto, apoiando-se mutuamente, e conseguir uma convergência de esforços com o Estado, cujo apoio é considerado essencial.
Para a reunião de sexta-feira o Cardeal Patriarca de Lisboa convocou todos os párocos, tenham ou não Centros Sociais Paroquiais, o que leva o cónego Francisco Crespo a esperar uma boa resposta por parte do clero.