15.4.09

Portugal atravessa recessão histórica e com fim ainda incerto

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Com exportações, investimento e consumo a caírem, o PIB vai diminuir 3,5 por cento em 2009. E para iniciar a retoma será preciso esperar pelo resto da Europa


Primeiro os EUA, depois a Europa e, se tudo correr bem, só a seguir Portugal. A economia portuguesa, a atravessar a recessão mais profunda dos últimos 34 anos, está completamente dependente de uma recuperação, ainda incerta, dos outros países europeus para poder iniciar a sua própria retoma, avisou ontem o governador do Banco de Portugal.

No dia em que anunciou que o PIB vai cair, em 2009, 3,5 por cento, o pior resultado desde 1975 e muito pior do que a contracção de 0,8 por cento prevista em Janeiro, Vítor Constâncio não conseguiu dar grandes certezas em relação ao momento em que Portugal pode esperar sair da crise.

O banco não apresentou novas previsões para 2010 e o governador pouco mais conseguiu fazer do que assinalar que, nos Estados Unidos, os responsáveis da Reserva Federal estão à espera de uma melhoria da situação a partir do final deste ano. "Todas as indicações vão no sentido dos EUA recuperarem mais cedo, com a Europa a poder vir a seguir e depois Portugal", disse Vítor Constâncio, lembrando que "a economia portuguesa está dependente para sair da recessão da retoma europeia".

Neste cenário, e sempre salientando que o cenário actual é ainda "muito incerto", o líder da autoridade monetária não deixou de expressar alguma desilusão em relação à forma como a Europa está a reagir à crise, o que se pode reflectir em Portugal. "Aparece como particularmente preocupante para uma pequena economia aberta como é a portuguesa, o facto de a recessão na Europa se apresentar como mais acentuada que nos EUA, país onde se originou a actual crise financeira e económica", afirmou, ao mesmo tempo que citava dados do FMI que colocam a ajuda dada à economia europeia pelos programas de estímulo dos Governo em "apenas" 0,5 por cento em 2009, registando-se mesmo um "efeito negativo de 0,2 por cento em 2010".

Constâncio classificou ainda como "insuficientes" as medidas de política económica adoptadas internacionalmente, destacando a falta de decisões definitivas ao nível do saneamento e reestruturação do sistema financeiro e a falta de acordo na redução dos desequilíbrios externos na economia mundial.

Pior só no PREC

Seja quando for a recuperação europeia, uma coisa já é certa para este ano em Portugal: a evolução da economia será histórica, pela negativa. Todos os indicadores, com excepção do consumo das administrações públicas, vão registar, de forma simultânea, quebras violentas face ao ano passado. E em todos eles só há um ponto de comparação mais desfavorável durante as últimas décadas, o ano de 1975, quando a economia portuguesa, a seguir à revolução, estava a passar por transformações muito profundas.

Em 2009, as exportações vão cair, diz o Banco de Portugal, 14,2 por cento. A razão está quase toda na crise económica que atravessam os países que mais produtos e serviços compram a Portugal, como a Espanha, a Alemanha e o Reino Unido. É por isso que a procura externa dirigida à economia portuguesa vai diminuir 13 por cento. O facto de o corte das exportações ainda ser maior significa que, no meio da crise, as empresas portuguesas ainda perdem quota de mercado.

No investimento, o cenário é também assustador. Uma queda de 14,4 por cento, que é repartida tanto pela diminuição na aquisição de imóveis, como pelo investimento empresarial. O resultado ainda poderia ser pior sem o contributo do Estado, já que o Banco de Portugal assume nas suas previsões que o investimento público vai crescer este ano.

Ao nível do consumo privado poderia haver, à primeira vista, razões para esperar melhor. O rendimento disponível dos portugueses vai, em média, subir cerca de dois por cento este ano, devido à ajuda dada pelas descidas das taxas de juro e por causa dos aumentos salariais acima da inflação (cuja média anual será de 0,2 por cento).

No entanto, no actual cenário de crise, os portugueses não vão aproveitar esta subida do rendimento para gastar mais. O medo de cair no desemprego e as expectativas para o futuro muito incertas levam a melhor e deverão fazer com que o consumo privado caia 0,9 por cento (o maior corte desde 1975) e a taxa de poupança suba, em apenas um ano, de 6,2 para nove por cento do rendimento disponível. Vítor Constâncio revela aqui alguma esperança que as coisas corram melhor do que o agora projectado, dizendo ser "difícil prever uma inversão de comportamento desta ordem".

O único indicador a evoluir favoravelmente é o das importações. Deverá cair 11,7 por cento, devido à diminuição da procura interna portuguesa. Este valor negativo ajuda as contas do PIB e faz com que, mesmo com as exportações em queda, o contributo externo para o PIB seja positivo e a balança comercial registe uma melhoria.