3.7.09

O que nos reserva o futuro?

Célia Marques, in Leiria Económica

A crise instalou-se. A palavra já não gera controvérsia e a frase “o mundo está a mudar” tornou-se um lugar comum. A mudança cria incerteza e a incerteza medo. Emerge o impulso de saber o que reserva o futuro. Numa ciência nem sempre exacta como a económica, restam a percepção e expectativas de agentes económicos atentos aos mercados. E ao mundo.

Estamos a braços com uma crise financeira mundial. Quando nos julgávamos imunes à derrocada e nacionalização de bancos, surge a nacionalização do Banco Português de Negócios. Os governos injectam dinheiro na economia em montantes cujos zeros parecem não ter fim. De onde vem esse dinheiro? Quem está a financiar as economias ocidentais? A crise, embora afecte também as economias emergentes, parece ter trazido a possibilidade de reforçar a sua posição no mundo.

A dívida pública americana, que alguns economistas consideram ser uma bomba relógio, tem no topo do ranking de governos estrangeiros subscritores, países como o Japão, a China e a Arábia Saudita. O destino da dívida pública europeia não é muito diferente. Até o Estado português está a desenvolver contactos com a SAFE, a agência que administra as reservas monetárias da China, com o objectivo de atrair um investidor de peso para os títulos de dívida pública nacionais.

Por outro lado, não podemos esquecer que países emergentes como a China, a Índia e o Brasil estão a injectar liquidez nas economias ditas desenvolvidas com as receitas das exportações que lhes destinaram, e que têm ajudado a tirar da pobreza parte da sua população. Segundo dados do Banco Mundial, desde as reformas económicas que a China introduziu na década de 70, mais de 400 milhões de pessoas naquele país escaparam à pobreza, embora se registe um aumento do fosso entre ricos e pobres e um outro conjunto de problemas sociais e ambientais.

Que consequências terão estes movimentos de capital em termos geo-políticos? Quem controla a dívida pública de um país, não controlará também, de certa forma, o seu futuro? Os EUA tenderão a perder o título de maior economia do mundo? Quem vai ditar as regras no mercado global?

«Dada a interdependência das economias à escala do globo, também os países emergentes estão a ser afectados pela crise financeira e seus efeitos colaterais, em virtude, sobretudo, da redução do consumo nas economias desenvolvidas, para onde exportam. Mas também é verdade que o centro nevrálgico da economia mundial se está a deslocar para Oriente, onde se regista um crescente desenvolvimento tecnológico, a mão-de-obra continua barata e produtiva, as matérias-primas abundam e o consumo sobe», sublinha Armindo Monteiro, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE).

Embora não antecipe que o reforço do crédito da China e da Índia aos EUA e à Europa possa, a curto-prazo, reforçar significativamente o poder económico daqueles países, João Lampreia, analista da equipa de Research do Banco BIG, afirma que o mesmo não poderá dizer-se num horizonte temporal mais alargado. «Esta medida, juntamente com a entrada de alguns fundos soberanos em grande empresas, acabam por reforçar o peso daqueles países no cenário internacional». Paralelamente – sublinha – não pode assumir-se que a Índia, e em especial a China, tenham economicamente uma grande dependência face às principais economias mundiais. Daí que as reservas monetárias obtidas sejam reinvestidas em dívida pública.

O que aprendemos com a crise?

Muitas perguntas nos invadem quando assistimos às últimas notícias do mundo económico. Que oportunidades emergem? Qual o posicionamento de Portugal no contexto global? Que sectores sobreviverão? O que acontecerá ao mercado de trabalho? Que profissões terão mais saída e quais perdem protagonismo? E que ensinamentos podemos retirar da crise?

«Não existem máquinas de fazer dinheiro». Para o leiriense Paulo Morgado, presidente da Capgemini Portugal, a crise financeira mundial vem relembrar-nos sobretudo essa velha máxima.

«O mercado financeiro tem de obedecer a princípios e valores éticos, pois a regulamentação e supervisão, por muito apertada que seja, não garante, por si só, lisura, transparência e responsabilidade social nas operações financeiras», defende Armindo Monteiro, salientando que a crise financeira veio também mostrar «que todos os paradigmas têm limites, podem gerar efeitos perversos e não devem ser encarados de forma dogmática».

Importa ainda atentar - sublinha - que não é o crédito às empresas que é arriscado. «Hoje não se empresta dinheiro às empresas, mas não foram as empresas que deixaram a banca assim. A remuneração que as PME oferecem não promete a lua, mas existe. Para recuperar a confiança, a banca tem de voltar à economia real, limitar-se a intermediar o negócio da compra e venda de dinheiro», conclui.

«Estes acontecimentos (crise do subprime) ensinaram-nos que não se podem cometer os excessos na atribuição de crédito a que assistimos, o que tem levado uma maior contenção no crédito e ao repricing dos spreads dos empréstimos», aponta João Lampreia. Os últimos acontecimentos no mundo financeiro evidenciam ainda «a grande importância dos bancos centrais no início das crises financeiras», explica, referindo-se à célere intervenção do BCE. No que toca à eventual necessidade de aumentar a regulação do sistema financeiro, João Lampreia considera que não deve ser esse o tema central, mas «a auto-regulação das próprias instituições, assim como um maior grau de controlo dos accionistas ao nível das estratégias tomadas».

O todo sobre as partes: a visão de Capra

No livro “O Ponto de Mutação”, o físico Fritjof Capra defende a tese de que os problemas que o mundo hoje enfrenta – desemprego, crise energética, poluição e desastres ambientais, para citar apenas alguns – representam diferentes facetas de uma só crise: a crise de percepção. Consequência, segundo o autor, da aplicação de conceitos que resultam de uma visão obsoleta do mundo, mecanicista, fragmentada, repleta de percepções estreitas da realidade, incapazes de funcionar num mundo global, onde fenómenos biológicos, sociológicos, económicos e ambientais são interdependentes.

Para Capra, o novo mundo exige uma nova visão, que envolva a compreensão integral dos fenómenos e não apenas das duas partes, isoladamente, em cada uma das ciências. Um olhar abrangente que, segundo o físico, já se verifica em alguns movimentos por esse mundo fora, embora ainda sem o reconhecimento de que as suas intenções se inter-relacionam. Assim que isso acontecer – antecipa – estaremos perante o início de uma poderosa força de mudança social.

Despertar a consciência colectiva é também o objectivo do chileno Alfredo Younis, ex-economista do Banco Mundial, e actual presidente do Instituto Zambuling para a Transformação Humana. Também ele (em entrevista nesta edição) acredita nos benefícios de uma visão integrada do mundo, resultado da percepção da existência de valores que são comuns a todos nós – como a paz, a tolerância, a segurança, ou a igualdade – e que estão na base daquilo a que designa de “economia espiritual”. É desses valores que é feita a consciência colectiva. É através dessas “lentes” que deve ser olhado o mundo.

Ao adoptar uma perspectiva de conjunto, sentimo-nos co-responsáveis pela realidade em curso. É como ver o mundo coberto de um cobertor gigante: ao puxar de um lado vai faltar do outro. E fica escarrapachada a cara de quem do outro lado ficou destapado. Emerge o apelo da integridade. A percepção de que, no essencial, somos movidos pelos mesmos valores, abre espaço ao diálogo, ao consenso, à construção, à expansão e ao crescimento. Não existem dois lados da barricada.

Economia espiritual e liderança


A espiritualidade há muito que deixou de ser matéria estranha à economia. Veja-se o livro Inteligência Espiritual, publicado em 2001. Depois de Inteligência Emocional (de Daniel Goleman) ter mostrado, na década de 90, que para ser bem sucedido não bastava ser um génio, era preciso saber lidar com as emoções, o livro de Dana Zohar vem evidenciar o potencial daqueles que, de forma constante, questionam o sentido das coisas e procuram agir em conformidade com o seus valores e convicções mais profundos.

Segundo a autora, as pessoas espiritualmente inteligentes praticam e estimulam o auto-conhecimento, deixam-se conduzir por valores (são idealistas) e têm a capacidade de encarar e utilizar a adversidade de forma construtiva. Têm ainda a capacidade de colocar as coisas num contexto mais amplo (resultado da sua visão de conjunto), valorizam a diversidade, perguntam sempre "por quê?", são independentes, espontâneas e revelam compaixão pelo próximo.

Um líder com estas características identifica oportunidades onde os outros encontram problemas, é carismático e mobilizador, o que pode fazer toda a diferença no mundo dos negócios, sustenta Zohar.

Nota: (Artigo publicado na revista 250 Maiores Empresas de Leiria, editada pelo Jornal de Leiria e distribuída a 21 de Novembro de 2008 com o semanário e jornal Público)