por Rita Carvalho, in Diário de Notícias
São os casos mais dramáticos, pois envolvem pessoas dependentes e sem recuperação. O fenómeno é urbano, antigo e, muitas vezes, está escondido.
Aos 83 anos, Casimiria da Piedade já perdeu a conta aos anos que recebe apoio do Banco Alimentar, pelo cabaz que todos os meses traz da Igreja de São Paulo, em Lisboa. Esta idosa é uma das cem mil pessoas que estarão dependentes da ajuda alimentar até ao final da vida. No total, os 17 bancos contra a fome, que hoje lançam mais uma campanha nos supermercados, ajudam 267 mil pessoas.
"Cerca de 40% das pessoas são idosos que, pela sua idade, deficiência ou limitação, nunca terão uma alternativa de vida e dependerão sempre do banco", explicou ao DN Isabel Jonet, responsável nacional do Banco Alimentar. Apesar de estar preocupada com os novos fenómenos de pobreza decorrentes do desemprego, Isabel Jonet diz que os idosos serão sempre os casos mais dramáticos, pois não têm expectativas de ver a sua situação melhorar.
Vivem sozinhos, com reformas baixas, e muitos não têm suporte familiar. Como Casimira da Piedade que, sem filhos nem netos, sobrevive dos "25 contos da pensão" e do pouco rendimento que tira do quarto que tem alugado em casa.
Dentro deste universo, há também muita pobreza envergonhada. "Pessoas que viviam bem, têm casas grandes, até com tapetes de Arraiolos, mas agora passam fome. Às vezes, a família nem sabe ou não consegue ajudar", diz Isabel Jonet. O fenómeno não é novo e é tipicamente urbano.
Este ano, há mais 17 mil pessoas a beneficiar de apoio alimentar do que no ano passado, num total histórico de 267 mil. Aumento que decorre da crise das famílias mas também do surgimento de três novos bancos: em Santarém, Viana do Castelo e Viseu.
Além de haver mais pessoas com carências alimentares, as próprias instituições estão com problemas financeiros porque as famílias não pagam as mensalidades. E todos os dias, nos 1650 lares, creches e infantários servem-se milhares de refeições.
Mas também há casos de sucesso. Histórias de famílias que receberam apoio pontual e recuperaram a sua subsistência. "Sempre estivemos do lado de cá e nunca pensámos estar do lado de lá". O desabafo é de Carla, 30 anos, que nunca imaginou que, um dia, iria beneficiar dos pacotes de arroz e massa que via recolher nos supermercados. Aliás, sempre que podia, esta mãe de dois filhos, com nove e seis anos, contribuía também nas campanhas de recolha.
Há dois anos, foi a vez da sua família bater à porta do centro paroquial da Parede, instituição que recebe bens do Banco Alimentar. Na altura, Carla tinha ficado sem o emprego de assistente dentária, o ex-marido não contribuía para pagar as despesas e as dificuldades económicas agudizaram-se.
"Não recebia pensão de alimentos porque o pai dos miúdos tinha tido um acidente e também não podia. Não queria acumular dívidas. Soube do banco por pessoas que me falaram e fui lá pedir ajuda", contou ontem ao DN. No mesmo dia, levou comida para casa e, durante um ano e meio, de 15 em 15 dias, voltou lá para reforçar o cabaz. Há quatro meses que Carla recuperou o emprego e já pôde dispensar esta ajuda