in RTP
Maria do Céu da Conceição é uma comissária de bordo portuguesa que se distinguiu pela criação do Projecto Dhaka, um programa para "quebrar o ciclo de pobreza" na capital do Bangladesh. Ontem a revista Emirates Woman atribuiu o prémio de Mulher do Ano a esta portuguesa de 32 anos que trata as crianças dos bairros pobres de Dhaka por "meus meninos" e "queridos miúdos".Fundadora de projecto contra pobreza é mulher do ano nos Emirados Árabes Unidos
0 twitterShare Maria da Conceição, nascida em Vila Franca de Xira, vive há seis anos no Dubai, base de onde dirige o Projecto Dhaka, um programa que decide fundar em 2005 e tem agora como lema "quebrar o ciclo de pobreza" nos subúrbios da capital do Bangladesh e retirar as crianças das ruas.
Ontem, foi distinguida com o Prémio Mulher do Ano no Dubai. Maria, como é tratada, vê na distinção uma oportunidade para tornar o seu projecto mais visível (a portuguesa venceu também na categoria "Humanitária"), notoriedade que - assinala - já valeu donativos de várias empresas e particulares.
Demonstrando altruísmo e sentido prático, há um mês, quando foi avançada como séria candidada a mulher do ano no Dubai, Maria afirmava à RTP: "Se a gente ganhar um prémio as empresas vão querer associar-se a nós". Assim foi.
Um projecto para os meninos dos bairros de lata
O Dhaka Project (em inglês) começou no dia em que Maria se viu obrigada a ficar no Bangladesh durante 24 horas: "Decidi aventurar-me e perguntei o que havia para visitar em Bangladesh. O senhor do hotel disse-me que eu era um bocado ingénua porque não havia nada para fazer, só havia orfanatos. Então, como nunca tinha estado num orfanato, decidi ir visitar o da Mãe Teresa que tratava e acolhia crianças deficientes e também pessoas idosas", explicou à Agência Lusa.
Durante a visita, as irmãs responsáveis pelo orfanato convidaram a hospedeira portuguesa a conhecer uma rapariga de 16 anos que tinha dado à luz gémeos e estava muito doente no hospital.
Maria diz que ao entrar no hospital sentiu "um grande choque".
"Os hospitais públicos de Dhaka são terríveis, é uma tortura. Não consigo entender como é que as pessoas podem melhorar da doença que têm se não ainda ficarem piores e apanharem mais infecções e outras doenças. Não há higiene nenhuma, há cães, há gatos, há umas 20 pessoas a dormir num quarto, há pessoas a dormir no chão, literalmente no chão só com uma manta e cobertores, nos corredores. Não têm camas, as pessoas que estão doentes não podem ir à casa de banho", explica a fundadora do Dhaka Project.
Impossível "virar costas"
Impressionada com as condições hospitalares, Maria decide "não virar costas" ao que viu, pede à companhia aérea Emirates Airlines uma licença de 12 dias e regressa um mês depois para dar uma mão nos hospitais, o primeiro passo que a levará aos bairros pobres e à fundação de um projecto humanitário para Dhaka.
Apesar da determinação para "ajudar a melhorar a higiene" dos hospitais, as suas intenções foram mal entendidas: "Fui perguntar aos hospitais se eles estavam interessados em que eu os ajudasse a melhorar a higiene e eles disseram, muito malcriados, para me ir embora e voltar para o meu país porque os hospitais estavam limpos".
Mas a obstinação é uma marca desta portuguesa de 32 anos. Depois de perceber que as crianças que são acolhidas em orfanatos recebiam todos os cuidados, Maria seguiu aquelas que pediam e vendiam bombons nas ruas para descobrir que moravam em bairros de lata insalubres da capital.
Nesse momento nascia o projecto Dhaka: "Comecei a falar com os pais e ver se me deixavam pôr as crianças na escola. No princípio, pusemos as crianças numa escola mas a escola tratava-as muito mal porque eram do bairro da lata e descobrimos que, um ano depois, não aprendiam nada. Havia muita discriminação na maneira como as crianças eram tratadas".
Mais uma vez entra em campo a determinação de Maria: "Decidi tirar as crianças de lá e, muito chateada e muito zangada, decidi abrir a minha própria escola. Agora temos uma creche, uma pré-escola, uma escola primária, uma escola secundária, temos um centro dentário muito pequenino".
O projecto Dhaka, ONG (organização não governamental) que arrancava então com 39 crianças, tem actualmente sob sua protecção 600 crianças a quem garante casa, alimentação, vestuário, cuidados médicos e educação. Em dois anos, mais de 40 famílias estavam em condições de abandonar os bairros pobres da periferia de Dhaka.
A dimensão do projecto - assinala o blogue oficial thedhakaprojectpt.blogspot.com - levou a que a gestão fosse assumida pela Rural Services Foundation.
Passo seguinte dá atenção aos pais
No entanto, Maria Conceição depressa percebeu que o projecto que fundara nada podia fazer pelas crianças se estas fossem mais tarde obrigadas a trabalhar nas fábricas - o trabalho infantil é permitido no Bangladesh - para ajudarem os pais a subsistir sempre que estes adoecessem ou ficassem desempregados.
Garantir "trabalhos bons" para os pais das crianças dos bairros da lata era então o caminho a seguir e a "única maneira de quebrar esse ciclo" de pobreza.
"No Bangladesh, as crianças de idade menor podem trabalhar. Os pais não têm formação nenhuma, é muito difícil para eles encontrarem um trabalho. Então, utilizam as crianças para trabalhar porque custa menos dinheiro. (O Bangladesh) tem muitas fábricas de roupa e é mais fácil empregar uma criança porque é mais rápida, aprende mais rápido e a mão-de-obra é mais barata", explicou portuguesa.
Maria acaba assim por investir noutro projecto destinado aos pais, o "Catalist", um projecto "pequenino. Temos, de momento, 61 ou 62 pais. Estamos a dar treino escrito em inglês e estou a tentar pedir à Emirates e a outras companhias aqui no Dubai para empregar os pais dos meninos porque isso significa que depois os meus meninos podem estar na escola até aos 18 e seguir uma formação sem interrupções".
Ao jornal Público, Maria explica que foi já possível arranjar empregos no Dubai para cinco pessoas do Bangladesh que integravam o projecto de formação profissional para adultos.
A hospedeira de bordo de 32 anos diz que a missão no Bangladesh apenas estará terminada "quando os pais dos meninos tiverem um bom trabalho" e as crianças conseguirem fazer uma formação completa capaz de quebrar o "ciclo de pobreza".
As favelas brasileiras são o próximo passo. "(Quero) abrir um orfanato no Brasil", diz Maria do Céu, que espera nesse país menos dificuldades, desde logo porque não haverá a barreira da língua, da mentalidade ou da religião.