Lucília Tiago, in Jornal de Notícias
A inflação negativa não poderá reflectir-se nas pensões pagas por pais
A situação é inédita, pelo menos nos últimos 40 anos: a inflação negativa não vai poder ser usada como argumento para reduzir o valor das pensões de alimentos pagas por pais separados ou divorciados, dizem vários juristas.
A regra dita que, anualmente, a maioria dos pais (separados ou divorciados) actualiza o valor das pensões de alimentos, tendo por referência a inflação fixada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Só que, este ano, a evolução dos preços veio baralhar contas e cálculos. Ter um ano (como vai ser o de 2009) com inflação negativa é seguramente um cenário inédito para quem paga pensões de alimentos, mas o entendimento geral dos vários juristas ouvidos pelo JN é a de que esta situação não poderá reflectir-se no valor a pagar em 2010. Quando muito, o montante poderá manter-se ao nível de 2009.
O facto de os acordos (judiciais ou homologados por conservadores) que definem o valor da pensão deixarem desde logo prevista a sua revisão anual em função da inflação poderia levar a supor que, num cenário de preços negativos, a pensão seria automaticamente reduzida na mesma proporção. Ainda que, em teoria, essa possibilidade não possa ser excluída, para Rui Alves Pereira, da sociedade de advogados A.M.Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados (PLMJ), "tal redução não deve ocorrer" podendo, "quando muito", verificar-se "um não aumento da pensão".
Desde logo porque, precisou ao JN este jurista, o índice de preços do INE (através do qual se mede a inflação), mesmo sendo negativo, "não espelha uma diminuição do custo de vida". Mas não só. Foi também esta constatação que levou o Governo a suspender temporariamente a fórmula de cálculo de aumento das pensões e do Indexante de Apoios Sociais (IAS), evitando assim que sofressem descidas nominais. No primeiro caso, optou-se mesmo por aumentar as pensões até 1500 euros; no segundo, decidiu-se manter inalterado o valor dos IAS.
A estes argumentos, Rui A. Pereira junta o carácter excepcional e especial das pensões de alimentos que impedem, por exemplo, que possam ser penhoradas (para pagar dívidas) ou usadas como compensação de créditos. Esta mesma posição foi defendida por um notário ouvido pelo JN para quem - tal como a pensão acordada por Tribunal ou na Conservatória não pode ser reduzida ou aumentada só porque quem a paga começou a ganhar menos ou teve uma elevada promoção profissional - também não se espera que esta situação excepcional de inflação negativa possa ter efeitos no valor mensal da pensão. "O superior interesse da criança", precisa, sobrepõe-se a esta questão. No meio de tudo isto terá também de imperar o bom-senso.
Em 2007, as Finanças registaram 57 456 contribuintes que declararam pagar pensões de alimentos. Mas este número está subestimado porque nem todos os pais "validam" judicialmente o valor. E só quem o faz pode deduzir a pensão paga ao seu rendimento, como precisa António Ernesto Pinto, da Deco. O progenitor que recebe a pensão tem de a declarar no seu rendimento, mas só será taxado se esta superar os seis mil euros anuais.