21.11.09

Falta cumprir direito à palavra na regulação paternal

Clara Vasconcelos, in Jornal de Notícias

Convenção sobre Direitos das Crianças aprovada há 20anos, dando força de lei à Declaração Universal de 1959


Meio século após a Declaração Universal dos Direitos da Criança e 20 anos depois da convenção que fez dela lei, persistem ainda algumas falhas na sociedade portuguesa. Apesar da enorme evolução.

O direito à palavra, nos processos de regulamentação do poder paternal, é uma dessas falhas, segundo António Ponces de Carvalho, presidente do Comité Português da Organização Mundial da Educação pré-escolar (OMEP). "A criança é a principal interessada", diz, e embora haja já vários tribunais que a ouvem, nem sempre o seu superior interesse é tido em conta. "Não está ainda suficientemente plasmado", diz, lembrando que uma separação dos pais, implica, por vezes, corte de relações com meios irmãos ou tios, com quem a criança mantinha laços afectivos. "E isso não é salvaguardado; só se salvaguarda o interesse do pai e da mãe", aponta, lembrando que "a Convenção diz que a criança tem direito a uma família e não que os pais têm direito à criança".

Ponce de Carvalho aponta ainda a persistência de alguns tribunais em decidirem "em nome do biológico", quando seria muito mais importante "encontrar quem goste da criança" ou deixá-la com a família de afecto. "Se a lei não o permite, mude-se a lei; a lei do Superior Interesse da Criança tem de estar acima de todas as leis", defende.

Embora admitindo que a situação portuguesa em matéria de direitos da criança sofreu uma grande evolução nas duas últimas décadas, Ponce de Carvalho aponta ainda outros aspectos que precisam de ser melhorados.

O direito a brincar, por exemplo. Um direito tão simples que parece estar a ser esquecido.

"Alguns pais, com a preocupação de ocuparem os seus filhos no ballet, na ginástica, na música, esquecem-se de que as crianças precisam de brincar". A actividade lúdica é fundamental "para a sua aprendizagem", garante.

Relativamente aos abusos sexuais, Ponces de Carvalho, recorda a grande evolução na mentalidade portuguesa. "Antigamente, se calhar, havia mais, mas não era condenável". Hoje é. "O mesmo em relação ao bater. Mas acho que devia ser um crime público para que aquele que mal trata seja punido e para que sirva de dissuasão".

Apesar de condenáveis, maus tratos e abusos sexuais continuam a fazer o seu caminho. Na Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens contabilizam-se ainda muitos processos desta natureza. Embora, como garante o seu presidente, Armando Leandro, a generalidade dos processos tenha estabilizado, devido à mais rápida sinalização.