Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
É “difícil” caracterizar Portugal – chegou tarde ao Estado-providência e só há pouco aprofundou “políticas de apoio à família, maternidade e infância”. Uma coisa, porém, parece certa aos autores do estudo Trabalhar e Cuidar na Europa, que hoje é apresentado em Lisboa. Ninguém como as portuguesas valoriza tanto a vida profissional como a vida familiar.
Os homens devem ser encorajados a beneficiar da licença de paternidade
O mundo complexificou-se. Por um lado, a Comissão Europeia encoraja a integração plena no mercado de trabalho. Por outro, aflita com o envelhecimento da população, a dificuldade de reposição de gerações, a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, encoraja a natalidade. Tais políticas “têm-se traduzido numa enorme tensão colocada sobre as mulheres e os homens na gestão das responsabilidades profissionais e familiares”.
Varre a Europa uma tendência para as famílias de dupla carreira. Há em toda a Europa licenças de maternidade, licenças de paternidade. Só que “a variação dessas licenças – e o seu nível de remuneração – varia consideravelmente entre mães e pais”, assinala o estudo – em Portugal desenvolvido pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa da Universidade de Lisboa. “A licença de paternidade tende a ser gozada apenas quando não é transferível.”
Vigoram diversos regimes em matéria de apoiar – ou não – pais e mães a conciliar vida profissional e vida familiar. Nos países com “maior grau de apoio público aos cuidados com as crianças” há maior continuidade no trabalho. Nos países com licenças “extensas é comum as mulheres sentirem dificuldade no regresso ao trabalho”.
Portugal é um caso atípico: “Não corresponde ao critério de não regresso das mães ao mercado de trabalho. Resultados específicos demonstram a forte participação feminina no mercado de trabalho e em regime de tempo inteiro – reforçando dados de pesquisas anteriores.”
Portugal faz parte dos países que combinam “elevado emprego feminino a tempo inteiro com uma taxa de participação no cuidado com as crianças oscilando entre o médio e o elevado, baixa fertilidade, pouco peso da população jovem”. Neste grupo cabem países da Europa Central e de Leste.
Valerá a pena esmiuçar alguns detalhes. Faltam equipamentos de apoio à infância – sobretudo em Espanha, Itália, Irlanda, Grécia, Luxemburgo, Reino Unido, Alemanha, Áustria, e nalguns estados da Europa Central e de Leste. Já em Portugal, na Holanda, na Irlanda e no Reino Unido “é o elevado custo dos equipamentos e dos serviços de apoio às crianças que prova ser um obstáculo na gestão entre trabalho e família”. Noutros, como Espanha, Itália, Turquia ou Malta, “a participação feminina no mercado de trabalho é baixa”.
Uma ideia clara: “De forma transversal, na Europa, as mulheres assumem posições mais modernas e igualitárias. Não perdendo a sua posição de cuidadoras, afirmam-se na disponibilidade de sacrificarem a sua carreira profissional ou tempo de trabalho para o bem-estar da família, mas não para benefício dos homens – o seu lugar no mercado de trabalho é indiscutível.”
Apesar de valorizarem tanto o trabalho profissional como a família, as mães estão em desvantagem em todos os países. Por força de “constrangimentos estruturais, culturais, institucionais”, a igualdade, tende a encolher à medida que se avança dos países nórdicos para os países do Sul da Europa. Não se deduza, daqui, que Portugal está entre os piores. Portugal integra o grupo de países “intermédios”, com a Áustria, a Estónia, a França, a Alemanha, a Irlanda, o Luxemburgo, a Eslováquia, a Eslovénia, a Espanha, a Suíça e o Reino Unido. Os investigadores recomendam o aprofundamento da igualdade de género no mercado de trabalho, com atenção particular ao combate ao fosso salarial. A flexissegurança – “vista como um elemento chave na política da União Europeia” – deve assegurar flexibilidade e segurança para homens e mulheres: não flexibilidade e segurança para homens e apenas flexibilidade para as mulheres”, avisam. E as “licenças de maternidade adequadas e bem pagas são fundamentais para o apoio das famílias – os homens devem ser encorajados a beneficiar da licença de paternidade”.