Por Dulce Furtado, in Jornal Público
Organizadores das manifestações e polícia dão números muito diferentes da adesão: 12 mil a 50 mil em Paris, 30 mil a quase 90 mil por todo o país
Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se ontem em mais de 130 cidades de França contra a "política do pelourinho" adoptada pelo Presidente Nicolas Sarkozy, em particular a decisão de expulsão de ciganos - sinalizando já aquilo que o Governo francês vai enfrentar para a semana na contestação aos planos de reforma do sistema de pensões.
A "importante mobilização" que desafiou Sarkozy - descreviam os media franceses - seguiu-se ao apelo de grupos de defesa dos direitos humanos, a que aderiram sindicatos e toda a oposição de esquerda. Sondagens recentes revelam, porém, que uns 65 por cento da população francesa apoiam as medidas do Presidente.
Os protestos visavam a endurecimento da chamada "política de segurança" adoptada pelo Governo - com a qual Sarkozy construiu o seu sucesso eleitoral nas presidenciais de 2007 -, incluindo a expulsão de pessoas da etnia cigana do país, que os activistas descrevem como xenófoba e inumana.
Sarkozy deu luz verde em Julho ao desmantelamento de uma centena de acampamentos ilegais de ciganos e à expulsão destas pessoas, defendendo que seja retirada a nacionalidade francesa àqueles que a possuem o que o Presidente descreveu como "certos elementos criminosos de origem estrangeira".
Desde Julho pelo menos mil ciganos foram forçados a regressar à Roménia e Bulgária e, de acordo com os números oficiais, mais de 11 mil membros da etnia foram expulsos de França no ano passado.
Mais de 100 cidades
Empunhando cartazes que apelavam ao "fim da repressão", os protestos espalharam-se por mais de uma centena de cidades francesas - de Paris a Lyon e Lille, Rennes, Marselha, Bordéus e Toulouse - assim como em frente às embaixadas de França em muitas capitais da União Europeia .
A capital congregou o protesto mais maciço, com dezenas de milhares de pessoas a marcharem até à praça do município com dezenas de ciganos a encabeçar a manifestação a que se juntaram personalidades políticas, sindicalistas, activistas e artistas - todos sob o slogan de "Não à xenofobia e à política do pelourinho. Liberdade, igualdade e fraternidade", lançado pela Liga dos Direitos Humanos (LDH).
Os organizadores falam numa mobilização de 50 mil pessoas só em Paris, mas a polícia diz que eram 12 mil. A nível nacional, responderam ao apelo entre 30 mil e 89 mil manifestantes - dependendo se as contas vêm da polícia ou dos organizadores.
"A linha vermelha foi ultrapassada", avaliou o presidente da LDH, Jean-Pierre Dubois. "Não aceitamos o veneno que o Governo está a instalar", criticou, por seu lado, a líder dos Verdes, Cécile Duflot.
Cerca de 15 mil pessoas da etnia cigana vivem em França, onde estão abrangidas pelas regras de livre circulação europeias. Mas vivem quase sempre em acampamentos precários e, de acordo com a lei francesa, ao fim de seis meses sem domicílio fixo nem fontes de rendimento tornam-se ilegais e podem ser expulsos.
Greve à vista
A adesão aos protestos de ontem lança uma semana que se avizinha complicada para o Presidente francês, com uma greve e manifestações convocadas pelos sindicatos para terça-feira, que se prevê venham a afectar o funcionamento das escolas, transportes e telecomunicações.
No mesmo dia começam a ser debatidas no Parlamento as reformas do sistema de pensões - incluindo o aumento da idade de aposentação dos 60 para os 62 anos - às quais se opõem 70 por cento dos franceses, mas que Sarkozy defende como essenciais para baixar o défice orçamental. "Não serei o Presidente que parte sem ter equilibrado o sistema de pensões", declarou sexta-feira.