Por Paulo Moura, in Jornal de Notícias
No Parque Eduardo VII, em Lisboa, a prostituição de menores não acabou. Enquanto houver procura há oferta, diz um dos jovens. O PÚBLICO deu um passeio nocturno pelo parque, que se assemelha a um estranho festival de Verão, com vários espectáculos. O último não é aconselhado a menores
Duas da manhã, silêncio absoluto no parque. O Carlinhos está sentado num banco de jardim da Alameda Edgar Cardoso, atento ao desfile dos carros familiares. A mãe pensa que está com a avó, a avó pensa que está com a mãe. Sérgio já partiu e já voltou. Foi buscar a mulher ao emprego, deu-lhe "assistência", deixou-a a dormir e veio dar uma volta. "Ela nem sonha que eu faço isto", diz. Estamos no intervalo entre o terceiro acto e o quarto. Só as tragédias têm 4 actos.
"Está a ver os carros que passam? São carros grandes, familiares, mas só trazem homens sozinhos. Isso quer dizer que eles têm família", diz o Carlinhos, 16 anos.
"Eu adoro o parque", declara Sérgio, 27 anos. "É aqui que tudo se passa. Isto é um mundo. Não é por dinheiro que eu venho para cá. É por prazer."
As actividades começam ao fim da tarde. Até lá, o Parque Eduardo VII é um lugar insuspeito. Mas ao pôr-do-sol coisas estranhas acontecem. Sentem-se movimentações a noroeste, algumas marcações de posição a sudeste. Funciona como um parque de diversões muito bem gerido. O programa é rico e variado, pelo que a organização é fundamental. Tudo tem de começar a horas, não há lugar para improvisos.
A hora do crepúsculo é uma espécie de transição. No Marquês de Pombal enfeixa-se o último tráfego da hora de ponta, enquanto pela Alameda Cardeal Cerejeira se apresentam as prostitutas. De meia- idade, cabelo oxigenado e saltos altos, ocupam os bancos da metade norte da Edgar Cardoso.
Com a noite chegam outras personagens. Saem de cena os namorados, entram os prostitutos a pé. Passa-se este segundo acto mais para o interior do jardim. Como não passam carros, os profissionais sentam-se nos bancos ou na relva e fazem olhinhos a quem passa. Ou colocam-se atrás de um tronco, masturbando-se com brio. É o caso de Sérgio. Cansado de estar horas no banco, recostado com as pernas abertas, vai até à árvore e junta o útil ao agradável, exibindo o seu instrumento de trabalho.
"Só faço casais", diz ele, rosto bronzeado e untado de cremes, calças de ganga e T-shirt muito justas, exalando essência Dolce e Gabana. "Encontramo-nos aqui, mas depois vamos para um hotel. Geralmente, dou "assistência" à senhora e o marido fica a ver. Não gosto de paneleiros."
Enquanto ali estamos, não passam casais. O negócio está fraco nesse sector. Já homens sozinhos, quase fazem fila. Era para eles que Sérgio se exibia. Mas não o admite. "Um homem ou outro às vezes. Mas é raro." Também lhe custa admitir que cobra dinheiro. "Faço por prazer. Claro que às vezes, quando eles insistem muito, lá aceito, por boa educação."
Durante o dia, Sérgio tem um emprego. Mal despega vem para aqui. Às 11, vai buscar a mulher, que trabalha numa loja. Vão para casa, jantam, conversam, fazem amor. Ela não sabe de nada. Às vezes Sérgio volta para o parque, outras vezes não. "Tenho de lhe dar "assistência" a ela, e depois ainda estar em forma. Não é fácil. Mas eu consigo sempre. E não preciso de comprimidos. É psicológico."
Aqui no parque, um veterano explicou-lhe como as coisas funcionam. "Aprendi muito com ele. Por exemplo, se um casal diz que está hospedado numa pensão, não devemos ir, porque é sinal que não têm dinheiro. Só vamos a hotéis." Nada mau para quem faz isto só por prazer.
"Ah, mas é também uma questão de segurança. Numa pensão, nunca sabemos o que vamos encontrar dentro de um quarto. No Hotel Mundial, para onde eu vou, é tudo controlado. As pessoas têm de estar registadas na recepção. Eu chego lá e já nem me dizem nada. Já me conhecem."
Sérgio levanta-se. É um homem alto e atlético, embora isso não seja a principal razão do seu êxito. "Quando elas experimentam ficam a saber o que é bom", explica ele, ajeitando as calças. "Isto tem uma explicação", acrescenta, científico. "Eu comecei a minha vida sexual muito tarde. É por isso que agora consigo coisas que a maioria dos homens não consegue."
Terceiro acto: o povo
Estamos, portanto, nas primeiras horas da noite. A noroeste actuam as mulheres, a sudoeste os homens. As profissões mais honestas, por assim dizer. É também a hora da infantaria. Os clientes chegam a pé, sentam-se num banco e conversam. Com o avançar das trevas, os negócios ficam mais escuros também.
A noroeste, as prostitutas afastam-se para a zona da cavalaria - a Rua Castilho, onde começam a atender os carros que vão parando.
A nordeste e a sudeste, em frente ao abandonado Pavilhão Carlos Lopes, futuro Museu do Desporto, instala-se a loucura. Os profissionais cedem a vez aos amadores. Surgem homens de todos os lados, embrenham-se na vegetação. Uns conhecem-se, outros não, mas ninguém perde tempo em preliminares. As pessoas (de todo o tipo, desde que sejam homens e homossexuais) encontram-se e enfiam-se atrás de um arbusto. Ou à frente dele, quando os melhores lugares estão ocupados. É uma espécie de quarto escuro ao ar livre.
"Por vezes perigoso", avisa Sérgio. "Como é uma confusão, andam lá ladrões, tipos armados. Quem vai para ali está mesmo disposto a arriscar."
Mas é por esta altura, a que poderíamos chamar after hours, a zona mais animada do parque. Os profissionais dão por cumprida a jornada laboral e agora, numa espécie de bar aberto, o povo diverte-se.
E levará ainda algumas horas até que a acção se transfira de novo para oeste. Já não há mulheres na Alameda Edgar Cardoso, mas cada vez há mais carros a descer e a subir a rua, que não tem saída. É como se tudo isto fosse um festival de Verão, com vários palcos e silêncio em vez de música, e estivesse prestes a começar o último espectáculo. Mas este não é aconselhado a menores.
Quarto acto: os menores
Carlinhos vive em Chelas. Foi criado com a avó, porque a mãe não tinha tempo. Completou o 9.º ano e depois saiu da escola. Mas nunca trabalhou. "A minha família nunca me deu nada. Agora posso fazer a vida que eu quero." Os carros passam para cima e para baixo, cada vez em maior número. Na sua maioria são grandes, de gama alta, com um homem sozinho. "Já há dois anos que venho para aqui. Vim porque amigos meus me trouxeram. Eu via como eles ganhavam dinheiro, como falavam de telemóveis e motos, e também quis."
Os carros páram, para falar com os jovens, que não são mais de uma dúzia, de ambos os lados da rua. A procura em clara desproporção com a oferta. "Vou por 80 euros. Oral ou anal, 20 minutos, no carro. Às vezes dão presentes."
Os jovens que se prostituem aqui aparentam quase todos mais de 18 anos. Mas há alguns de 13 e 14, garante o Carlinhos. São do bairro dele e de zonas semelhantes. Alguns estão em instituições. Da Casa Pia e outras, acrescenta.
"Desde que começou a ser falado na televisão, isso diminuiu muito", diz Sérgio, referindo-se à prostituição de rua de alunos da Casa Pia. "Mas agora voltou. Há clientes, não há? Enquanto houver o negócio não pára."
Carlinhos diz que faz uma média de cinco clientes por dia. Aos fins-de-semana pode chegar aos 15. "Não quero ter uma vida triste. Nem andar a roubar. Prefiro estar aqui, onde me dão valor pelo que eu sou. Tenho amigos, sei que nunca terei problemas."
Não vem todos os dias. Mesmo assim, faz mais de três mil euros por mês. Sem contar com as festas. Aí o cachet vai aos 300 euros, fora as "lembranças". Decorrem em casas particulares, geralmente na zona de Évora. "Bebemos, dançamos, depois cada um dos senhores pega num rapaz e leva-o para um quarto. Mas é tratamento VIP. Não nos falta nada."
O problema com as festas são os intermediários. Os contactos são muitas vezes feitos por angariadores, proxenetas que organizam tudo e ficam com uma grossa comissão. São eles que sabem das festas e que promovem encontros em hotéis. "Não gosto disso", diz Carlinhos. "Trabalho por conta própria. Não preciso de ninguém a controlar a minha vida."
Gere sozinho o negócio. "Perigoso? Não. Eu sei o que faço. Quanto menos confiança, melhor. Não quero saber os nomes deles, nem que eles saibam o meu. Nunca combinamos nada. Acontece no momento. Aparecem, chegamos a acordo, fazemos o que tem de ser feito, ciao."
Carlinhos tem namorada, que não sabe que ele está aqui. Diz à avó que vai dormir a casa da mãe e a esta que fica com a avó. Nem uma nem outra alguma vez se preocupou em saber se era verdade. "Quanto menos pessoas souberem, melhor", diz ele.
No futuro, quer ir para o estrangeiro. "Isto não é vida para mim", diz, pensativo, olhando as sapatilhas Puma que tem nos pés. "O meu sonho é comprar um Porsche. Um Carrera branco. E ir para a Suíça. Quero ter uma vida a sério. Não quero acabar como esses." Aponta para os carros familiares que planam sobre o parque, como rapinas.
Lá dentro vão rostos alheados e hostis, fingindo não olhar para o lado, como se a rua tivesse saída para algum lado. Ou cabeças grisalhas espreitando pelas janelas, olhos semicerrados de avidez, desprezo e medo, procurando a presa como se vasculhassem os despojos de uma catástrofe.
"São pessoas tristes. Têm tudo e não estão satisfeitos. Metem-me muita pena", diz o Carlinhos, fazendo voz de homem. "Eu posso ir com estes senhores, para comprar um Porsche, mas nunca serei como eles."
(Sérgio e Carlinhos são nomes fictícios. O diminutivo não)