23.2.23

A guerra continua, mas mais de 1500 refugiados em Portugal regressaram à Ucrânia

Raquel Moleiro, in Expresso

Em quase um ano de conflito, o SEF atribuiu 58.043 proteções temporárias. Cerca de 2,6% foram canceladas a pedido dos próprios, a maioria por terem regressado ao país natal. As raízes falaram mais alto do que a segurança

Olga, 68 anos, foi apanhada pela guerra fora de casa. A 24 de fevereiro de 2022 estava de visita à filha e à neta, em Irpin, um subúrbio de Kiev, a pouco mais de 25 quilómetros da capital ucraniana. Ia ficar só por uns dias longe da quinta onde morava, só ela mais o gato numa quintarola onde cultivava de tudo e gastava o tempo ganho depois da reforma. Uma vizinha ficou de lá ir dar um olho e alimentar o bichano durante a ausência curta. Mal sabia que só voltaria seis meses depois, com uma fuga desesperada até Portugal pelo meio, o país que a acolheu como refugiada até agosto.

Logo no primeiro dia da invasão, houve bombardeamentos junto ao apartamento onde a sua filha Nataliia Sherudylo, 45 anos, e a neta Kateryna, 24, viviam. Seguiram-se dez dias num bunker, depois uma longa e muito apinhada viagem de comboio até Lviv. Daí atravessaram para a Polónia, onde então desaguava um mar de gente em fuga. Não dava para ficar. Continuaram a andar até que uma publicação na Internet as colocou na direção do aeroporto de Lublin, de onde partiria a 10 de março o primeiro avião humanitário com destino a Portugal. Foi a porta de saída da guerra.

As três mulheres foram acolhidas por Ana e Carlos Costa, uma família da Azambuja, na sua vivenda cor de rosa. Pouco mais de uma semana depois, as duas mais novas começaram a trabalhar numa fábrica a embalar bolachas e bolinhos, em Aveiras de Cima. Para Olga, por causa da idade, não foi encontrado trabalho. Passava o dia em casa, a disputar tarefas com a empregada, para se sentir útil, e a estudar português, sempre acompanhada de um caderninho pautado onde apontava com letra perfeita todas as frases e palavras mais úteis.

Carlos ainda lhe construiu uma enorme horta no jardim da casa, imitação esforçada da que a deixara para trás, mas em agosto Olga tomou a decisão de partir, de voltar para a Ucrânia. A guerra não dava sinais de acabar tão cedo e ela, que já tivera uma carreira, uma filha, uma neta, queria acabar os dias no seu país. A casa, soube pela vizinha, esperava-a ainda intacta, imune aos bombardeamentos russos.

De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), até esta segunda-feira 1529 refugiados ucranianos cancelaram voluntariamente as proteções temporárias concedidas pelo Estado português, o que representa 2,6% de todas as atribuições. Ainda que não seja possível aferir que todos tenham regressado ao país natal, a maioria terá retornado uma vez que os beneficiários de ‘residência humanitária’ podem viajar livremente pelo Espaço Schengen. Só quem não tenciona manter-se neste espaço europeu anula a documentação.

"Temos registo de alguns regressos, mas poucos, entre os mais de 1600 cidadãos ucranianos que vieram para Portugal nos voos humanitários que organizámos”, confirma Ângelo Neto, da Associação Ukranian Refugees -UAPT. “São maioritariamente pessoas mais velhas, que preferem regressar à insegurança da guerra a estar longe de casa”.

Desde o início do conflito, o SEF atribuiu 58.043 proteções temporárias a cidadãos ucranianos e a estrangeiros que residiam naquele país. Destes, 33.900 são do sexo feminino e 24.143 do sexo masculino (a maioria menores, uma vez que os homens entre os 18 e os 60 anos estão presos ao país pela lei marcial), e vivem principalmente em Lisboa, Cascais, Porto, Sintra e Albufeira. Em março de 2022 foi batido o recorde do número de proteções, com 9283, tendo descido para as 1205 em dezembro (último dado mensal disponível).