Joana Gorjão Henriques, in Público
As contribuições totais de imigrantes superaram pela primeira vez os mil milhões de euros em 2020. Imigrantes continuam a ocupar as profissões menos qualificadas e mais mal pagas.
O ano foi de crise para alguns sectores onde trabalham imigrantes, o país parou em várias alturas, mas, mesmo assim, a Segurança Social lucrou mais de 802 milhões com as contribuições dos estrangeiros em Portugal. Este valor foi o excedente que resultou entre as contribuições dos estrangeiros — superou pela primeira vez os mil milhões de euros — e os benefícios sociais que usufruíram — de 273 milhões.
Depois do maior valor de sempre em ano pré-pandemia, com quase 900 milhões de saldo positivo em 2019, 2020 foi, mesmo assim, o segundo melhor. No global, a Segurança Social acabou 2020 com um excedente de 2,1 milhões de euros. Em dez anos, fazendo as contas do saldo positivo com os imigrantes, o encaixe foi de 5,2 mil milhões de euros.
Isto mesmo mostra o mais recente relatório do Observatório das Migrações (OM) referente a 2020. A directora do OM, Catarina Reis Oliveira, comenta ao PÚBLICO que “os estrangeiros têm mostrado sempre maior capacidade contributiva que os nacionais para o sistema de segurança social português, continuando a ter menos beneficiários de prestações sociais por contribuinte”. Ou seja, mesmo em 2020, ano em que aumentaram os beneficiários de prestações sociais estrangeiros por causa da crise, a relação foi de 52 por cada 100 contribuintes, quando para os nacionais foi de 83 por cada 100.
Em 2020 o Governo emitiu um decreto que regularizou temporariamente imigrantes que tinham processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), dando a possibilidade de usufruírem de benefícios sociais, como acesso à saúde ou ao subsídio de desemprego, para quem tivesse feito contribuições. Estar inscrito na Segurança Social e ter contribuições em dia é um dos requisitos para o SEF aceitar o pedido de manifestação de interesse dos trabalhadores estrangeiros em residir em Portugal.
Neste relatório sobre a imigração em números o OM escreve que os imigrantes têm um papel fundamental “na eficiência dos mercados de trabalho” e que sem os estrangeiros “alguns sectores económicos e actividades entrariam em colapso”. Assim, estando Portugal em quarto lugar entre os 28 países da União Europeia onde os estrangeiros têm taxas de actividade superiores aos nacionais, em 2020 os 75,2% de imigrantes activos estavam 17,6 pontos percentuais acima da taxa de actividade dos portugueses
Profissões de base, menos remunerações
Mas que posições ocupam e em que áreas trabalham os estrangeiros? É justamente nas profissões de base que mais estão presentes — desta vez com dados de 2019, os quadros mostram que quase 50% dos estrangeiros estavam empregados nos grupos profissionais 7, 8 e 9, versus 38,2% dos trabalhadores portugueses —, em actividades de alojamento e restauração (21,2%, ou seja, mais 13,3 pontos percentuais do que os portugueses), em actividades económicas administrativas e serviços de apoio (21,5% em 2019, mais 12,1 pontos percentuais do que os portugueses).
E, comparando com os portugueses, estão a desempenhar muito mais funções abaixo das suas qualificações, existindo uma percentagem maior de trabalhadores que não usam as suas habilitações nas funções que exercem no mercado de trabalho português: 12,5% dos estrangeiros com habilitações superiores (mais 8,7 pontos percentuais do que os trabalhadores nacionais) estavam a trabalhar nos grupos profissionais da base.
Por outro lado, à semelhança do que se verificou nos anos anteriores, as remunerações médias dos estrangeiros foram mais baixas do que dos trabalhadores portugueses (menos 8,2% em 2019). Sublinhe-se, porém, que as discrepâncias salariais apenas se verificaram em imigrantes de determinadas nacionalidades: os profissionais dos Estados Unidos, Reino Unido, Bélgica ou França tiveram rendimentos bastante superiores aos portugueses (entre 2100 e 1742 para os estrangeiros e pouco mais de mil euros para os portugueses); também os trabalhadores da Tailândia, Bangladesh, Nepal ou Guiné tiveram rendimentos bastante inferiores (entre 622 e 650 euros). Constata-se ainda que, ao contrário dos portugueses, a esmagadora maioria dos imigrantes não tem vínculo laboral permanente (apenas 32,3% dos trabalhadores o tinha).
Maior risco de pobreza
A fragilidade da situação laboral dos imigrantes extra-comunitários traduz-se na taxa de desemprego: em 2020 foi o dobro da dos portugueses (14,7% versus 6,8%). É natural, assim, que de 2019 para 2020 tenham subido, quase seis vezes mais, os beneficiários de prestações de desemprego estrangeiros. Esta situação reflecte-se também nos índices de risco de pobreza, que apesar de tudo são pouco mais altos para os estrangeiros do que para os portugueses: com dados de 2020, o relatório aponta que o risco de pobreza e exclusão social dos estrangeiros foi de 20,2% quando para os portugueses foi de 19,3%.
Outra área em que se verifica uma situação de desvantagem dos estrangeiros é na habitação: mais dificuldade de acesso a propriedade, maior presença em alojamentos sobrelotados — nesta matéria Portugal está no grupo de países onde a distância entre os nacionais e os estrangeiros é maior, foi de mais 11,9 pontos percentuais em 2020.
Neste relatório sobre a imigração em números destaca-se ainda o contributo da população estrangeira para a natalidade em Portugal: em 2020 as mulheres de nacionalidade estrangeira foram responsáveis por 13,5% do total dos nascimentos, a percentagem mais elevada da década, num ano em que os estrangeiros representaram nem 7% da população, segundo dados actualizados do SEF. Recentemente, o SEF informou ao PÚBLICO que dados provisórios de 2021 apontam para mais de 702 mil estrangeiros com autorização de residência no país. Os dados preliminares do Censos 2021, divulgados nesta quinta-feira, mostram que a população estrangeira residente aumentou 40% nos últimos dez anos e é de mais de 555 mil pessoas: a discrepância explica-se com o facto de as autorizações de residência atribuídas pelo SEF poderem corresponder a pessoas que entretanto não saíram do país.
Como já tinha sido noticiado, em 2020 verificou-se ainda o aumento “substantivo” nas concessões de nacionalidade, batendo-se o recorde: foram quase 104 mil, “quando a média de concessões de nacionalidade desde 2007 com a nova regulamentação” tem sido de 49 mil por ano, e “que em si já contrastava com a média anual do período imediatamente anterior à regulamentação de 2006 com 5,6 mil concessões por ano”, escreve o relatório.