Depois de um período de quase oito anos de melhoria consistente dos indicadores – apenas interrompido pela pandemia –, os últimos meses de 2022 trazem sinais de que o mercado de trabalho poderá estar num ponto de viragem. Os dados divulgados na quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística mostram que Portugal está a ter alguma dificuldade em conter o desemprego e em continuar a criar emprego. E a situação poderia ser pior se não fosse amortecida por sectores como o de alojamento e restauração, que criou 50 mil postos de trabalho num ano.
No quarto trimestre de 2022, a taxa de desemprego aumentou para 6,5% e atingiu o nível mais alto desde a Primavera de 2021, ficando acima dos 5,8% registados no trimestre anterior e dos 6,3% verificados no final de 2021. Ao mesmo tempo, a taxa de subutilização do trabalho aumentou para 11,7% e, pela primeira vez em quase dois anos, a população empregada teve uma ligeira diminuição trimestral.
“Provavelmente, os bons tempos terminaram. Não podemos falar de uma crise ou dizer que o desemprego vai disparar, mas é possível que tenhamos atingido o ponto mínimo de desemprego e não é de esperar que tenhamos uma taxa de desemprego muito mais baixa ou subidas significativas do emprego em 2023”, destaca João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho.
“É o fim de um ciclo, iniciado em 2014, de melhoria consistente de todos os indicadores do mercado de trabalho”, acrescenta.
Para o economista, o aumento do desemprego e a travagem do emprego podem ter duas explicações. Por um lado, o abrandamento da actividade económica no final de 2022 começa a reflectir-se no mercado de trabalho. Por outro, houve uma diminuição do número de inactivos que, incentivados pela melhoria do mercado de trabalho na primeira metade de 2022, passaram a procurar activamente trabalho e, os que não tiveram sucesso, acabaram por engrossar o número de desempregados.
Porém, alerta, se taxa de desemprego não desce abaixo dos 6%, “temos um problema de desajustamento funcional e geográfico do mercado de trabalho, porque há países que têm taxas de desemprego inferiores a 6% e Portugal também já teve”.
O INE dá conta de 342,7 mil pessoas desempregadas no último trimestre, o que representa mais 12,1% do que no trimestre anterior e um aumento de 3,7% face ao trimestre homólogo. Mas se se tiver em conta a subutilização do trabalho — um indicador que dá uma ideia mais abrangente do desemprego porque agrega a população desempregada, o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inactivos disponíveis e não disponíveis — havia um total de 633,1 mil pessoas que estavam desempregadas ou a trabalhar menos do que desejavam.
O desemprego dos jovens, que afectava 19,9% das pessoas entre os 16 e os 24 anos, também aumentou face ao trimestre anterior (1,1 pontos percentuais), mas na comparação homóloga o indicador melhorou e recuou 3,5 pontos percentuais.
No último trimestre de 2022, assistiu-se a uma diminuição do desemprego de longa duração (pessoas desempregadas há 12 ou mais meses), mas a proporção de pessoas que estavam nessa situação há dois anos ou mais aumentou para 65,1%.
Apesar de os últimos meses do ano passado terem trazido sinais de preocupação, quando se compara a totalidade de 2022 com 2021, assistiu-se a um recuo da taxa de desemprego global para 6%, ficando abaixo dos 6,6% de 2021. Esta diminuição fez-se sentir em todas as regiões do país, com excepção da Área Metropolitana de Lisboa, onde o desemprego aumentou de 6,8% para 7,2%.
Os sectores que amortecem
O último trimestre de 2022 também trouxe uma contracção na criação de emprego. A população empregada - estimada em pouco mais de 4,9 milhões de pessoas – teve uma diminuição de 0,5% face ao trimestre anterior, o que representa menos 26,2 mil pessoas a trabalhar.
Já na comparação com o trimestre homólogo de 2021, assistiu-se a um aumento de 0,5%, traduzindo-se em mais 23,9 mil pessoas. O aumento homólogo da população empregada ficou a dever-se ao acréscimo do emprego de mulheres (0,8%); jovens dos 16 aos 24 anos (16,2%); com ensino secundário ou pós-secundário (3,9%); empregados na indústria transformadora (5,5%); trabalhadores por conta de outrem (1,8%), com contrato a termo (6,5%) e a tempo completo (0,8%).
Para Paulo Marques, investigador e coordenador do Observatório do Emprego Jovem, “num contexto de alteração tão radical da política monetária, é inevitável que haja alguns efeitos no mercado de trabalho”.
As actividades imobiliárias, destaca, são o melhor exemplo disso, uma vez que perderam 9,7% do emprego apenas num trimestre, assim como o comércio que também viu o emprego recuar.
A situação poderia ser bem pior se não fossem os sectores do alojamentos e restauração, das actividades de comunicação ou das actividades financeiras, onde se verificaram acréscimos significativos do emprego.
“O que está a amortecer esta situação é um grande crescimento do emprego no sector do alojamento, restauração e similares. Em termos homólogos, a população empregada aumentou quase 20% o que significa mais 50 mil trabalhadores num ano. E mesmo em termos trimestrais, o emprego cresceu 1,2% relativamente ao Verão”, sublinha.
Apesar de estes sectores, que são muito intensivos em emprego, terem “contribuído muito para o sucesso do mercado de trabalho”, alerta o investigador, isso traz outros desafios, nomeadamente a qualidade do emprego.
A contratação sem termo continua a ser predominante no mercado de trabalho português, mas os contratos a prazo aumentaram tanto em termos homólogos como em cadeia e, no último trimestre de 2022, abrangiam quase 605 mil trabalhadores. É preciso recuar ao primeiro trimestre de 2020 para encontrar um nível superior de contratos a prazo (643 mil).
Os outros tipos de contrato, onde se incluem as prestações de serviço, ultrapassaram as 115 mil e tiveram um aumento homólogo de quase 18%.