Não é um Lar, nem um apoio domiciliário, tão pouco uma habitação social. O projeto da habitação colaborativa que vai arrancar em vários concelhos do país é integralmente financiado pelo PRR traz um novo paradigma para as respostas aos mais desfavorecidos.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, começou o ano a assinar contratos de comparticipação financeira para respostas sociais inovadoras no país. As instalações da Segurança Social de Leiria foram o local onde avançaram os primeiros projetos que serão integralmente suportados por fundos públicos, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Ao todo, vão permitir criar 166 lugares em habitação colaborativa, nos concelhos de Castanheira de Pera, Lousã, Mafra, Óbidos e Pombal, num montante global de investimento superior a 5,2 milhões de euros. Mas no ministério já deram entrada 22 projetos similares, permitindo alojar cerca de 800 pessoas nesta modalidade.
No dia em que começou a andar o projeto para a região, Suzel Santos fez a (longa) viagem de regresso a Castanheira de Pera com outro ânimo. Estava finalmente concluída esta etapa, de um projeto que a presidente da Cercicaper (Cooperativa de Educação, Reabilitação, Capacitação e Inclusão de Castanheira de Pera) considera um ponto de viragem nas respostas sociais. Ali, num território que o país conheceu a partir dos incêndios de 2017, aquela é a única CERCI, num raio de muitos quilómetros e vários concelhos, cruzando os distritos de Leiria e Castelo Branco, e dava, assim, mais um passo para cumprir os seus objetivos, que ultrapassam o trabalho social que faz atualmente na comunidade e que vai muito além do apoio aos deficientes
"O que vamos ter aqui são 12 apartamentos individuais complementados com uma parte "colaborativa" -- como o nome indica --, com umas instalações comunitárias para promover a união, o trabalho e as relações sociais da comunidade que está a residir nesta resposta social", conta ao DN a responsável da Cercicaper. "Para além das 12 casas que permitirão a individualidade de quem lá reside, iremos construir também uma cozinha, uma sala, lavandaria, balneários comuns, bem como instalações para a equipa de trabalho que permitirão sessões de autoajuda e afins. Nos espaços verdes irão ser implementados espaços para hortas, equipamentos para exercício físico ao ar livre e um anfiteatro para promoção de reuniões, espetáculos, seminários e outras atividades". Tudo isto num terreno cedido pelo município.
Felicidade para todos
No Lar da Felicidade - Associação de Solidariedade Social, em Meirinhas (Pombal), o projeto nasceu como ideia-relâmpago. A primeira vez que por ali se falou na possibilidade de construir "umas casinhas para idosos e também para famílias carenciadas" terá sido em outubro, quando a consultora que habitualmente apoia a instituição no que concerne a candidaturas falou de um projeto similar no interior do país. José Carlos Ferreira, presidente da direção, acolheu a ideia com entusiasmo. Pediu orçamentos para habitações modulares, e fez contas ao financiamento que seria preciso.
"Como tínhamos bastante terreno aqui na área envolvente, ficou-nos aqui o bichinho daquela ideia", conta ao DN Cristina Ribeiro, diretora técnica desta IPSS. Ao mesmo tempo, apresentava a ideia ao diretor da Segurança Social de Leiria, João Paulo Pedrosa.
"Foi assim que soubemos que o projeto poderia ser incluído no âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), acrescenta aquela responsável, uma semana depois de assinada a comparticipação financeira. O Estado suportará na íntegra os cerca de 442 mil euros estimados no projeto, ficando os arranjos exteriores a cargo do município de Pombal, tal como aconteceu já com o projeto de arquitetura. De resto, o presidente da câmara, Pedro Pimpão, sublinha a importância da iniciativa, que "visa dotar o território de mais uma resposta social inovadora".
Em causa estão oito pequenas casas, com capacidade para acolher 17 utentes. O projeto consiste na construção de unidades habitacionais independentes, destinadas a famílias, pessoas idosas, pessoas deficiência e outras, desde que em situação de vulnerabilidade social.
Há muito que o Lar da Felicidade necessitava de ampliar a sua capacidade (que é apenas para 21 utentes, na componente residencial) "mas não só para esse tipo de resposta. Notávamos que havia muitos pedidos de pessoas que precisam do acompanhamento noturno, e durante 24 horas, mas não querem estar institucionalizadas", refere Cristina Ribeiro. "São pessoas que querem receber visitas quando entendem, sem estarem sujeitas aos horários de uma instituição, mantendo a sua autonomia e privacidade, mas ao mesmo tempo contando com o (necessário) apoio dos técnicos da instituição", acrescenta.
A Associação de Solidariedade Social Lar da Felicidade já contemplava respostas desde a infância à terceira idade: 21 utentes em Lar, 20 em Centro de Dia, 20 em apoio domiciliário, 42 crianças na creche e servem 160 refeições todos os dias no Centro Escolar.
A aldeia de Meirinhas é a sede de uma das mais pequenas freguesias do concelho de Pombal (a última a ser criada, nos anos 80) mas a mais importante do ponto de vista económico, graças ao volume de negócios que por ali passa, no universo alargado de empresas. Ainda assim, regista o outro extremo: um crescente número de carenciados, o que obriga o Lar da Felicidade a investir num programa alimentar. Uma vez por mês, entrega cabazes a várias famílias. Foi assim, por ter conhecimento desse tecido frágil, que a direção da instituição percebeu a importância de abarcar no projeto a habitação colaborativa e comunitária. "Aqui na freguesia não há casas para arrendar, sobretudo a quem tem baixos rendimentos, sem possibilidade de recorrer a um fiador no contrato, ou pessoas com pensões de velhice mínimas", adianta a diretora da associação.
Além da Cercicaper e do Lar da Felicidade, vão receber projetos similares a Casa do Povo de Óbidos,
Embora ciente de que não vai mudar o mundo, o Lar da Felicidade sabe que pode mudar os dias de alguns dos habitantes da terra.