Rafaela Burd Relvas, in Público online
A isenção fiscal que será concedida aos proprietários de alojamento local que transfiram os imóveis para o arrendamento habitacional não prevê qualquer limite às rendas que poderão praticar.
Os proprietários de alojamentos locais que transfiram os seus imóveis para o mercado de arrendamento habitacional vão beneficiar de uma isenção total da tributação sobre rendimentos prediais, até ao final de 2030. A medida, apresentada esta semana pelo Governo, visa incentivar o aumento da oferta de habitação, mas deixa de fora um detalhe que poderá, na verdade, vir a agravar o aumento dos preços: não está prevista a imposição de qualquer limite ao valor das rendas para que os proprietários possam beneficiar desta isenção fiscal.
O pacote legislativo apresentado esta semana ainda não é definitivo, uma vez que ainda vai entrar em discussão pública e só a 16 de Março será aprovada, em Conselho de Ministros, a sua versão final. Para além disso, as alterações a nível fiscal ainda terão de ser discutidas e aprovadas na Assembleia da República. Assim, as medidas agora apresentadas – que, aliás, têm vários detalhes ainda desconhecidos, já que não foram publicados quaisquer documentos com as propostas completas – ainda poderão vir a ser alteradas.
Mas, para já, as medidas apresentadas tornam claro que o Governo pretende reduzir a dimensão do mercado de alojamento local. Para além do incentivo à transição para o arrendamento habitacional, vai passar a ser proibida a concessão de novas licenças de alojamento local (à excepção daquelas que se destinem à exploração de alojamento rural em zonas do interior do país) e as licenças já existentes passarão a estar sujeitas a uma reavaliação periódica, de cinco em cinco anos, a começar em 2030.
Quanto ao incentivo fiscal, o apoio só tem dois requisitos definidos para que possa ser concedido aos proprietários que transfiram os alojamentos locais para o mercado de arrendamento habitacional. Assim, os proprietários só terão direito a uma isenção total da tributação sobre os rendimentos prediais, em sede de IRS, até ao final de Dezembro de 2030, desde que o imóvel tenha sido registado como estabelecimento de alojamento local até 31 de Dezembro de 2022 e que a transferência para o mercado de arrendamento seja feita até 31 de Dezembro de 2024.
Nos documentos já disponibilizados pelo Governo, em nenhuma parte se prevê que as rendas destes imóveis fiquem sujeitas a qualquer limite para beneficiarem desta isenção fiscal. Ao mesmo tempo, também não está definido um período mínimo de manutenção das casas no mercado de arrendamento para beneficiar desta isenção fiscal.
Isso mesmo admitiu o primeiro-ministro, António Costa, quando questionado sobre este ponto. "A taxa zero para quem opte por transferir o seu imóvel do alojamento local para o arrendamento habitacional é provisória, só até 2030, para compensar, temporariamente, a quebra de rendimentos que resulta de transferir um imóvel de uma actividade mais lucrativa para uma actividade que é menos rentável. É uma medida provisória, transitória e só até 2030. A partir de 2030, estes imóveis entrarão no regime normal de tributação e só manterá a taxa zero quem passar a ter o imóvel em regime de arrendamento acessível", esclareceu, durante a conferência de imprensa de apresentação do novo pacote legislativo.
Significa isto que os proprietários de alojamento local que coloquem as casas a arrendar para fins habitacionais vão beneficiar de um regime que, hoje, só é concedido a quem pratica rendas abaixo do mercado, ao mesmo tempo que terão um regime fiscal mais favorável do que quem pratica arrendamento de longa duração. Hoje, a taxa geral de IRS sobre os rendimentos prediais é de 28%, tornando-se sucessivamente mais baixa consoante o prazo dos contratos seja maior. No âmbito do pacote legislativo agora apresentado, o Governo propõe que a taxa geral baixe de 28% para 25% (para contratos até cinco anos). Para contratos entre cinco e dez anos, a taxa baixará de 23% para 15%; para prazos entre dez e 20 anos, a taxa é reduzida de 14% para 10%; para prazos superiores a 20 anos, a taxa é reduzida de 10% para 5%.
Há, ainda, o Programa de Arrendamento Acessível, que concede uma isenção total de IRS sobre os rendimentos prediais (como está previsto para os proprietários que transfiram imóveis do alojamento local para o arrendamento tradicional), mas com a condição de os proprietários praticarem rendas 20% abaixo da mediana do mercado, que é definida, para cada concelho e tipologia de casa, de acordo com os dados levantados periodicamente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Sem a imposição de limites, não é difícil antever o nível de rendas que poderá vir a ser cobrado por actuais proprietários de alojamento local, se os mesmos procurarem manter um nível idêntico de receitas ao que obtêm com a actividade de alojamento local. Segundo dados da AirDNA, plataforma que agrega e analisa todos os anúncios publicados nos principais portais de anúncio de casas em alojamento local, o preço médio por noite cobrado pelos alojamentos na cidade de Lisboa ronda, actualmente, os 108 euros. Já no Porto, é de cerca de 85 euros.
Mesmo assim, se tiver um nível significativo de adesão, a medida poderá dar um contributo importante para o aumento da oferta no mercado de arrendamento, independentemente do impacto que venha a ter sobre os valores das rendas. Actualmente, estão registados no Registo Nacional de Alojamento Local 109.580 alojamentos, dos quais 26.257 só no distrito de Lisboa, 13.241 no distrito do Porto e outros