Olexy e Natalya Sadokha fugiram da cidade de Lviv, poucos dias depois da invasão russa. Viajaram com a filha, o genro e os dois netos e instalaram-se na área metropolitana de Lisboa. Elogiam o modo como têm sido acolhidos por cá, mas não escondem que o que querem mesmo é voltar para casa.
Um ano em Portugal. “Queremos ir para casa, para a nossa Ucrânia”
A Ucrânia, sempre a Ucrânia. Todas as manhãs, assim que acorda, Natalya Sadokha, de 82 anos, senta-se ao computador para ler as notícias do seu país. Quer saber que cidades foram ocupadas pelos russos, se houve bombardeamentos massivos e se a região de Lviv, onde morava, foi afetada. Ao seu lado, o marido, Olexy Sadokha, de 86 anos, vai seguindo os relatos. Sente permanentemente saudades da Ucrânia. Em alguns dias, chega a dizer à família que vai regressar a casa, a pé.
Não deixa, contudo, de reconhecer o acolhimento que tem tido desde que, em março de 2022, poucos dias após o início da guerra, fugiu com a mulher, a filha Kateryna Ostrovka, de 56 anos, o genro, e os dois netos e procuraram abrigo em Portugal, onde vivia um dos filhos. “Sentimos a simpatia [dos portugueses], quando saímos de casa, ou entramos num supermercado, a compaixão que têm por nós nesta grande aflição”, diz, emocionado. “Mas queremos ir para casa, para a nossa Ucrânia, para a nossa Lviv.”
Desde que a guerra começou, há um ano, mais de 58 mil cidadãos pediram proteção temporária a Portugal. Como Olexy e a família, muitos acreditaram, na altura, que ficariam por cá apenas umas semanas. “Pensámos que não demoraríamos muito a voltar”, diz o ucraniano. “O mundo uniu-se, mas a agressão é tão grande que os países democráticos não querem entrar no conflito e começar a Terceira Guerra Mundial. Milhões de pessoas poderiam morrer.”
Um novo país depois dos 80 anos
Aos 86 anos, e depois de uma vida na Ucrânia, teve de se habituar a um novo país e a uma língua que continua a ter um som estranho. Valem-lhe, nos momentos mais difíceis, os passeios de fim de tarde com a mulher – vivem perto da praia, na Margem Sul, e o mar é, para eles, um bálsamo. Há poucas semanas, Natalya sofreu um enfarte, mas foi rapidamente socorrida. “Quando me levaram para o hospital, o médico disse-me: ‘Slava Ukraini’ [Glória à Ucrânia]. Fui muito bem atendida”, diz a ucraniana, contando que, aos poucos, foi recuperando.
A casa de duas assoalhadas, onde agora vive com o marido, foi cedida gratuitamente por um familiar, mas é pequena para esta família de seis. Além de Natalya e Olexy, moram ali Kateryna Ostrovka, a filha de ambos, e o marido Ilhor Ostrovski, juntamente com os dois filhos.
Um deles, Pavlo, de 36 anos, é portador de deficiência e, por isso, precisa de cuidados constantes por parte da família. “Graças a Deus, tomou sempre os medicamentos. Ainda não voltou a fazer reabilitação, mas entendemos perfeitamente que seja preciso tempo para que isso aconteça, e para que seja feito o diagnóstico em Portugal”, diz Kateryna Ostrovka, que é psicóloga e professora universitária.
Mais do que serem muitos numa casa exígua – Kateryna, o marido e o filho dormem na sala, é difícil contornar as condições de acessibilidade do espaço. O prédio não tem elevador, o que é um obstáculo para a cadeira de rodas de Pavlo. “O meu filho é muito grande. É muito difícil encontrar um apartamento que atenda às necessidades dele”, diz Kateryna Ostrovka. “Se houvesse algum programa de habitação social, poderíamos concorrer, mas não temos informação sobre o assunto.”
REPORTAGEM
Da Ucrânia para Portugal. Mudar de vida num par de horas
Kateryna e Ihor eram professores universitários. R(...)
As dificuldades de adaptação dos adolescentes
Maria, a filha mais nova de Kateryna Ostrovka e de Ilhor Ostrovski, tem tido dificuldade a adaptar-se a Portugal. Sente falta dos amigos e, apesar de ter sido matriculada numa escola, pouco depois de ter chegado, nem sempre é fácil convencê-la a ir às aulas.
Era uma excelente estudante na Ucrânia. A mãe, que enquanto psicóloga tem acompanhado, nos últimos meses, refugiados vindos do país, explica: “A faixa etária que mais tem sofrido com esta saída forçada é a dos adolescentes. Tiveram muita dificuldade em quebrar relações”.
Quem também tem sofrido com a adaptação são os idosos. “É-lhes complicado aprender o idioma, sair da terra onde sempre viveram e adaptar-se a um novo país. É uma grande tensão”, acrescenta, contando que esteve envolvida num projeto de apoio psicossocial dinamizado pela Associação de Ucranianos em Portugal.
Kateryna Ostrovka e o marido continuam a trabalhar à distância na universidade onde davam aulas, na cidade de Lviv. “Trabalho muito no computador, o que é bom para mim. Posso dedicar-me também à família”, afirma.
Enquanto responsável pelo departamento de educação especial, na instituição onde leciona, está, tal como o marido, a preparar-se para regressar ao país, assim que a guerra terminar. “Já estamos a pensar na Ucrânia depois da vitória. Sabemos que vamos ganhar e, enquanto cientistas, estamos a pensar em alguns passos, medidas, maneiras de desenvolver o sistema e o país.”